O Coletivo de Teatro Alfenim é uma companhia paraibana que desenvolve seus trabalhos mediante processo colaborativo e experimental, em chave dialética, claramente atenta aos pressupostos estéticos de Bertolt Brecht, no que tange sua obra artística e teórico/crítica. O Deus da Fortuna (2011), peça que trata do capitalismo e do abandono de suas velhas técnicas para o terreno da especulação financeira, conta a história do Sr. Wang, dono de terras, que acumula uma dívida muito grande com um agiota da região, o Sr. Cai Fu, e que não consegue quitá-la, a ponto de penhorar a sua filha Jing-Jing no Mercado de Futuros e entregá-la como mercadoria ao filho do Sr. Cai Fu. Zhao Gongming, o Deus da Fortuna, surge para o Sr. Wang e lhe promete redenção, com a condição de que seja erguido um templo em sua adoração em seu nome, que chamará Templo da Fortuna. O texto parte de um fragmento do Diário de Brecht (sobre um mito chinês em que o Deus da Fortuna viaja pelo continente e por onde passa deixa um rastro de assassinatos. Quando preso, é julgado e condenado, mas logo se percebe que ele não morre, reconstruindo a esperança daqueles que assistiam sua condenação) e é construído via parábola, recurso épico/narrativo que desenvolve uma espécie de símile, cujo objetivo é servir de comparação a uma situação real, capaz de trazer ao plano artístico temas complexos, como o proposto pela peça em questão, pois esse recurso refere-se não só a trama do texto em si, mas a algo fora dela, uma realidade externa a obra. Atento à produção dramatúrgica do Alfenim, o estudo visa tecer considerações sobre a parábola e como a companhia paraibana a utiliza, a fim de romper claramente com as convenções estético/formais do teatro burguês e instaurar, na dialética entre forma e conteúdo, uma dramaturgia de viés crítico e reflexivo, cujo intento é revelar as contradições de uma estrutura social, em que as imposições do capital fundamentam as regras que esmagam nove décimos da sociedade.