O projeto de transposição do Rio São Francisco constitui a maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil no âmbito da Política Pública Nacional de Recursos Hídricos. Seu objetivo foi garantir a oferta de água para 12 milhões de pessoas em 390 municípios do nordeste sententrional (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte) parte do semiárido brasileiro que frequentemente sofre com longos períodos de seca. Embora tenha sido pensado como uma alternativa à escassez hídrica, sua implementação também suscitou inúmeros questionamentos e conflitos. Ao longo dos seus 500 quilômetros (aproximadamente) de extensão, a transposição produziu diferentes marcas, redefinindo territórios, identidades, símbolos e relações sociais. Nos interessa nesse artigo tratar das dinâmicas geradas pelo início das obras no Eixo Norte, em especial as resultantes dos processos de negociação das desapropriações das áreas por onde passariam esse eixo. Nessa perspectiva procuramos identificar os atores envolvidos, identificar e analisar as relações de tensão e interação entre os atingidos pelo projeto e as entidades que intermediaram as negociações no município de São José de Piranhas na Paraíba. A escolha do campo de observação justifica-se pelas sucessivas histórias de deslocamento de comunidades e populações nessa região. Em 1932 a sede do município bem como grande parte de sua extensão territorial foi inundada dando lugar a construção do açude Engenheiro Ávidos, responsável pela captação de água que abastece cidades da região agora. Com a transposição a localidade teve proporcionalmente o maior percentual de áreas desapropriadas de todo percurso da obra para a construção de túneis, reservatórios, canais e Vilas Produtivas Rurais (VPRs). Essas duas obras provocaram mudanças profundas nas configuraçãoes políticas, sociais e ambientais da região conformando um contexto relevante de pesquisa. As análises têm como aporte teórico metodológico os conceitos de desterritorialização e reterritorialização propostos por Little (2002) e Haesbaert (2004). Para este artigo foi realizada pesquisa documental, 3 entrevistas com membros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) bem como entrevistas com 2 grupos focais de moradores das Vilas Produtivas de Cacaré e Irapuá I. Foram coletadas informações sobre o acesso a água, as dinâmicas sociais engendradas com a saída das antigas propriedades e o deslocamento para outros espaços. O objetivo do estudo foi trazer os olhares dos residentes de diversas comunidades diretamente impactadas pela transposição bem como das narrativas de alguns membros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São José de Piranhas, entidade que participou ativamente de todas as etapas dessas mudanças. Os relatos evidenciam histórias de luta por reconhecimento e apontam o quanto as mobilizações coletivas foram cruciais para garantir direitos durante os processos indenizatórios. Novas relações de cooperação são estabelecidas entre os atingidos e entre eles e as entidades como STR, Ministério da Integração, mas também novas formas de disputa e enfrentamento. É o enredo desse processo que essa proposta de artigo quer tratar.