Em alegoria à existência da fome, o romance Homens e caranguejos (1967), de Josué de Castro e o conto O artista da fome (1922), de Franz Kafka põem em curso contínuo o espetáculo da diegésis diante de uma narrativa de famintos, alimentados nos limites da incompletude da ficção e, do sentir de vazios enquanto personagens angustiadas. Na busca pela comida que sacie e corrompa o vácuo de liberdade presente em João Paulo, protagonista da ficção josueniana e no Jejuador kafkaniano, a fome se manifesta como mantimento fluído e espesso, todavia profundo e sólido na interpretação do espanto ensurdecedor das questões humanas. Move-se o leitor, em ambos os casos, incitado pela reflexão à leitura destes seres de papel. Coagidos pelo real verossímil, mas agindo, as personagens, cada qual a seu sabor, atuam contra ou a favor da dinâmica da fome que se aquece no mundo latente do entre-lugar, fora de si e do outro, e no farto interior da travessia ficcional.