Stuart Hall (2003) defende que “estamos em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar”. Nesse sentido, é possível afirmar que a identidade não é algo definido, inalterável, mas algo que está sempre em processo, o que leva à ideia de que não há uma identidade, e sim identidades. Assim sendo, deve-se pensar, por exemplo, em identidades de África, ao invés de a identidade da África. Por esse prisma, pode-se estudar a produção literária como um fator que contribui para a (re)construção de uma identidade coletiva, sobretudo em países marcados por séculos de controle do colonizador e por guerras civis. Nesse contexto, a literatura irrompe com uma força social singular, posto que as narrativas podem se constituir em formas de resistência e de reação a um discurso que vem se fazendo dominante e controlador. Ao mesmo tempo em que é capaz de trazer à memória um passado que não pode ser suplantado, refletindo-o, o texto literário é capaz de contribuir para a formação de uma nova sociedade. Em outras palavras, a literatura reflete a sociedade ao passo que é capaz de modificá-la. “Ela também, e principalmente, deve ser considerada uma forma específica de memória cultural: um complexo lugar de memória com suas próprias formas e estratégias de observação e escrita” (WALTER, 2010). Afora isso, “a literatura, tal como a história, também constitui uma socialização das memórias, das narrativas e dos discursos” (LEENHARDT; PESAVENTO, 1998). Paul Ricoeur (1997) considera “a narrativa como o guardião do tempo, na medida em que só haveria tempo pensado quando narrado”. Assim, ao compor suas narrativas, Mia Couto trabalha com o tempo, com memórias, com permanências, com mudanças, com identidades, enfim. Dessa forma, seus textos vão se constituindo em metáforas para a (re)construção de uma identidade africana, posto que, segundo Ricoeur (ibid), “identidade não poderia ter outra forma do que a narrativa, pois definir-se é, em última análise, narrar. Uma coletividade ou um indivíduo se definiria, portanto, através de histórias que ela narra a si mesma sobre si mesma”. O cenário pós-colonial e pós-guerra gera em muitas vítimas da diáspora a visão de que o esquecimento auxilia a conduzir a vida, à medida que não lembrar pode se constituir uma forma de diminuição da dor fruto da miséria a que algumas dessas pessoas ainda hoje estão submetidas. Desse modo, é preciso resgatar a memória, é preciso conservar valores, hábitos culturais de raízes locais, o que pode ser feito por meio do registro escrito, especialmente o literário. Nesse sentido, Mia Couto, em romances como Antes de nascer o mundo e A confissão da leoa, busca, por meio da palavra escrita, retomar e, assim, “livrar do esquecimento”, traços da identidade nacional de Moçambique.