O destronamento do narrador – em posição de superioridade diante do fato narrado – foi um gesto da modernidade. Tenha sido pela integração da informação científica (e simbólica), como propõe Rosenfeld, de que a terra deixava de ser centro para concretizar-se periferia no sistema solar, desfazendo a noção de perspectiva fundada nas artes; ou pela imposição do mundo administrado, que descartava o dito especial do narrador tradicional, como sugere Adorno. O desfazimento da autoridade do narrador fez Benjamin acreditar que estava em vias de extinção a arte de narrar. No contra fluxo das dissoluções surge a obra do norte-rio-grandense Bartolomeu Correia de Melo, que recupera a autoridade do narrador tradicional e faz renascer a poética presente na fala e no modo de vida de um povo entre o rural e o urbano. Isto posto, pretende o presente estudo discutir a tipologia do narrador no conto Ai Jesus! (Melo, 1997), à luz do pensamento de Walter Benjamin (1993), Anatol Rosenfeld (2009) e Theodor Adorno (2012), tendo ainda como aporte a compreensão de Candido (1985), de que o fator social deve ser invocado para explicar a estrutura da obra e o seu teor de ideias, fornecendo elementos para determinar a sua validade e o seu efeito sobre nós. Nesse contexto, o estudo pretende enriquecer as discussões e reflexões do simpósio Configurações estéticas e processos sociais: a lógica centro-periferia no Brasil do século XX e XXI, contribuindo com o eixo Registros narrativos que contemplem aspectos da narrativa do modernismo, do chamado romance de 30 ao contemporâneo.