VERTENTES DO INSÓLITO FICCIONAL : o animismo em Calendário do Medo, de Carlos CarvalhoRegina da Costa da SilveiraNoeli Reck MaggiNo discurso poético e no pensamento mítico, o processo de síntese é capaz de unir elementos contraditórios, dando origem a imagens insólitas. Na virada do século XX, o animismo foi considerado por Sigmund Freud como um dos sistemas filosóficos que compõem as três grandes concepções do universo: a animista (mitológica), a religiosa e a científica. Ao definir esses sistemas, Freud afirma que o animismo é uma teoria psicológica, o mais criador e o mais lógico, o que explica, integralmente, a essência do mundo. Assim, sem ser ainda uma religião, o animismo implica as condições preliminares sobre as quais são construídas as religiões. Atualmente, a teoria do realismo animista ou do animismo vem sendo tratada pelo sul-africano Harry Garuba. O autor defende a materialidade da produção cultural animista. Ao contrário das religiões monoteístas, o animismo não indica nenhuma religião em específico, ao mesmo tempo em que refuta uma imagem não localizada, materializando-se em objetos, árvores e rios. Na presente comunicação, examinam-se as imagens representacionais, no conto “Boi da Cara Preta”, em Calendário do Medo, livro do dramaturgo Carlos Carvalho. Fruto do folclore brasileiro, à imagem do boi, como elemento do imaginário, soma-se a cor da “cara preta”, presente também na música de ninar do folclore infantil. A recorrência ao imaginário coletivo latino-americano oportuniza comparar o inconsciente animista e o inconsciente coletivo. Para Gaston Bachelard (1985, p. 164), “Todos os rostos descritos pelos romancistas são máscaras. São máscaras virtuais. E cada leitor as ajusta, deformando-as a seu sabor, à sua própria vontade de possuir uma fisionomia.” No caso do protagonista de Carlos Carvalho, que leitor se apropriaria da máscara do Matador que se metamorfoseia em expressões grotescas e repulsivas? Quantos tesouros psicológicos se depreendem desse conto? Diante do leitor, instaura-se uma situação perigosa, repugnante. Parte-se, então, da hipótese de que tais imagens acham-se implícitas em uma concepção de inconsciente animista do sujeito, provocando no leitor a inquietante estranheza e, ao mesmo tempo, o familiar reprimido. Para Freud, o escritor imaginativo tem a liberdade de escolher o seu mundo de representação, de modo que este possa ou coincidir com as realidades que nos são familiares, ou afastar-se delas o quanto quiser. Nos contos de fadas, o mundo da realidade é deixado de lado desde o princípio, e o sistema animista de crenças é francamente adotado. Antes de se caracterizar como um processo antagônico ao pensamento científico e racional, o elemento insólito a ele se associa, em acordo com as imagens metafóricas, como um dos diferentes modos de pensar e de representar a realidade. É o que se pretende examinar na análise do conto de Carlos Carvalho.Palavras-chave: Calendário do Medo, animismo, imaginário simbólico.