A infância usualmente é pintada a partir de tons que a ligam a temas referentes à inocência, ao pueril, ao onírico e a sentimentos esperançosos. Contudo, na literatura gótica irlandesa, que compõe o que pode ser classificado como um ramo da tradição literária anglo-irlandesa, esta indumentária não cabe, pois, as crianças e sua infância passam a ser caçadas pelos traumas que atingem a história do país. A violência que assolou a Irlanda foi causada, em parte, como consequência direta da colonização britânica, e está presente no ornamento desses personagens infantis. Diante desse cenário, as crianças passaram a carregar consigo, na literatura gótica desse país, máculas do passado, e eram também frutos de famílias desestruturadas, reflexos de instituições falidas. Este trabalho busca investigar como o protagonista de The Butcher Boy, escrito por Patrick McCabe, 1992, personifica e lida com esses traumas. No romance, representante de um gênero gótico chamado bog gothic, acompanhamos a narração da infância de Francie Brady, criança traquina cujo mundo foi transformado pela chegada daquela a quem ele toma como arquirrival, a Sra. Nugent. No decorrer da trama, Francie vai aderindo ao mal e à violência, deixando os sofrimentos, a angústia e os traumas que rodeiam a sua sociedade serem expostos. No fim, o personagem se torna aquilo que pode ser enquadrado como um “monstro”. E a formação do menino liga-se, dessa forma, ao maligno. Na verdade, o desvelar desses sentimentos doentios ocorre pela estrutura social debilitada que a criança passa a mimetizar. Dessa forma, ainda analisaremos como o arco narrativo do romance mostra a metamorfose de Francie em um monstro. Para tanto, neste trabalho, tomamos como fonte teórica, dentre outros, Gladwin (2016), Cavallaro (2002), Eldred (2005), Ratte (2013).