Este trabalho é um desenvolvimento do Projeto Prociência UERJ/Faperj, dos trabalhos encaminhados junto ao GT História da Literatura e ao grupo Periódicos e Literatura, da Biblioteca Nacional. Pretendemos uma revisão historiográfica da rede conceitual que envolve a crônica no Brasil, a partir dos clichês de definição institucionalizados por parte da crítica (Cândido, 1992; Coutinho, 2003; Moisés,1967; Sá, 2002) e aceitos pela comunidade leitora como explicação do gênero em foco. Como intersecção dos discursos jornalístico e literário, o gênero crônica vem carregando para si, desde os periódicos do século XIX, os mitos dos seus constituintes (Medeiros, 2004). Modalizadas as diferenças em relação ao século seguinte, tais mitos - objetividade, verdade-da-informação (Mariani, 1998), no caso do gênero jornalístico, e subjetividade, polissemia, no caso do literário - associam-se a outros estigmas, tais como: hibridismo, efemeridade, coloquialidade, leveza, atributo ‘menor’, ‘talento do autor e ‘natureza’ do texto, um conjunto do que chamamos conceitos-fetiche (Eco, 1976; Gusmão, 2012). O grau de subjetividade dos mitos e estigmas circunscritos à crônica os torna ineficazes do ponto de vista epistemológico. Herdeiros de uma concepção essencialista de literatura – e consequentemente da crônica -, os críticos dessa vertente não conseguem lidar com a pluralidade de tecidos textuais sob o mesmo rótulo (Medeiros, 2004), na tessitura de enlaçamentos que os constituem. Sugerimos entender o funcionamento do gênero, portanto, dentro das suas condições de produção e compreender a provisoriedade das marcas, tendências e vozes, e a relação com outros discursos, vistos como constituintes (Maingueneau, 2006). Dizemos, ainda, que o impasse da definição do gênero insere-se num contexto mais amplo: aliado ao escasso manuseio de fontes primárias, lidamos com o difícil estabelecimento de conceitos precisos na contemporaneidade, em função da experiência da diversidade dos objetos, sujeitos e eventos, interpenetração de fronteiras, rapidez da informação, interdiscursividades. O obstáculo, entretanto, não inviabiliza a proposta aqui apresentada. A revisão conceitual do gênero hoje é bastante salutar na medida em que incide diretamente sobre a prática do pesquisador e do docente e implica em rever o modus operandi com que lidamos, na contemporaneidade, com o discurso cronístico.