A arte, desde sempre, tem se constituído em espaço de embate constante entre o ilusionismo e o anti-ilusionismo. No início do século XX, Brecht, com a teoria do seu Teatro Épico, impõe o rompimento com as convenções do teatro tradicional - que se caracteriza essencialmente pelo efeito ilusionista - se propondo a rompê-las e subvertê-las. Ao criticar essa forma, com princípio, meio e fim, que não prescinde de qualquer uma das partes, sob pena de ficar incompleta, e que apenas reproduz a estrutura da sociedade como algo que não pode ser transformado, Brecht pretendia propor uma forma que também exercesse alguma influência na modificação desse contexto e que, através do efeito de distanciamento, quebrasse definitivamente com a ideia de ilusão. O cinema, por ouro lado, parece já nascer com a vocação realista. Filmes documentários e de ficção esforçam-se para aparentar naturalidade e realidade a fim de compor uma narrativa onde o espectador se transmude para a tela, sem questionar o que vê, preso confortavelmente à narrativa cinematográfica que imita o real. A proposta do presente artigo é refletir acerca da herança brechtiana no cinema contemporâneo, através da análise do filme Dogville (2003), do cineasta dinamarquês Lars von Trier. Dogville (2003), inserido nos postulados do movimento cinematográfico Dogma 95, é um exemplo de hibridez artística ou um “cinema de fusão”, como prefere o diretor. O cinema de Von Trier nega Hollywood, assim como o teatro de Brecht nega a catarse aristotélica, marcando-se, decididamente, como propostas que tem em comum, entre outras coisas, a anti-ilusão.