Olhinhos de Gato, narrativa de natureza autobiográfica de Cecília Meireles, traz as memórias de infância da autora transfiguradas poeticamente a partir da escrita literária. São narradas as vivências da frágil órfã Olhinhos de Gato, que vive com sua avó Boquinha de Doce, a negra Dentinho de Arroz e Maria Maruca, moça que ajuda nos afazeres domésticos. Circundada pelas lembranças e objetos dos pais e irmãos falecidos (todos por doença) a menina que “Graças a Deus escapou!” é protegida de todo tipo de mal, por ter saúde frágil. Buscamos nesse trabalho examinar, a partir da leitura em profundida da narrativa, a possibilidade de que a superproteção dos adultos possa interferir substancialmente na relação dessa personagem com a morte e sua experiência da vida, uma vez que Olhinhos de gato é uma menina enferma. Traremos para nosso estudo, como suporte teórico leituras relacionadas à narrativa da doença (SONTAG, 2007; KLEINMAN, 1988; CHARON 2004, 2005 e 2011, dentre outros) e observaremos em que moldes se dá, nessa narrativa, o cuidado da criança doente, os espaços que ela ocupa nos momentos de fragilidade e dor, a representação dos sintomas, e de que forma essas atitudes colaboram para a manutenção de costumes (lembremos que a realidade que figura na narrativa é a das primeiras décadas do século XX no Brasil) que relacionam a doença à sujeira e à morte, palavra e presença interdita na narração. A partir dessas considerações será possível perceber que os cuidados dos adultos cerceiam a liberdade de trânsito da criança, restringindo intensamente o contato com seus iguais, além da sustentação de uma atmosfera de morbidade que incentiva o medo aterrorizante que a morte possa atingir a própria criança e os entes queridos a sua volta.