Através da análise do romance Um céu de estrelas, de Fernando Bonassi (1991) e do filme homônimo (Tata Amaral, 1996), este artigo busca investigar um momento fronteiriço nas artes, no cinema e na literatura brasileiros, em que o “realismo traumático” aos poucos cede espaço para o “realismo afetivo”. Entretanto, o texto de Bonassi ainda apresenta, por exemplo, aspectos do romance brutalista dos anos 1970, como a caracterização de uma trama urbana permeada pela figuração da violência e pelas formas curtas. O que permite pensarmos numa imbricação em termos estéticos, mais que num afastamento. Os personagens, no caso, não se afastam do trauma, mas se inserem nele, de forma intimista e visceral. Uma característica que se esboça em ambas as obras — vale lembrar que Bonassi é co-roteirista do filme— é a emergência afetiva dos corpos em cena, produzindo muito mais uma experiência estética que a figuração de uma “realidade”. No caso, periferia e exclusão não se expõem em descrições históricas ou visuais narradas, mas em sensações e fragmentos de memória expressos via o corpo. Assim, o caráter performático de tais obras pode ser pensado a partir da sua capacidade de subverter normatividades e lugares fixos, sugerindo uma reflexão sobre a potência política dos afetos.