No romance Bolero de Ravel (2010), Menalton Braff constrói um anti-herói que problematiza o funcionamento e a lógica do, para usarmos de uma expressão de Adorno (1985), "mundo administrado", que, na contemporaneidade, parece ter se consolidado, via globalização do capitalismo, como uma realidade universal. Com voz, (in)ação e comportamento dissonantes, o anti-herói de Braff desafia, ao custo de sua ruína individual, valores que fundamentam a ética do trabalho e o ideal de produtividade social característicos da Modernidade. O romance, por sua vez, aciona dispositivos de previsibilidade que, no plano da recepção, cumprem uma função crítica ao evidenciarem para o leitor o seu próprio grau de comprometimento com valores, ideias e práticas intrinsecamente vinculadas à alienação, à violência e à subordinação da existência humana à ordem administrada do mundo. Neste sentido, Bolero de Ravel toma a recepção previsível como matéria narrada, incluindo-a entre os objetos que comenta criticamente, para ler o leitor, premiando-o, no caso de ele ser um leitor crítico, com mal-estar por defrontar-se com uma sua inescapável má fé (SARTRE, 1973).