Vidas em trânsito: o deslocamento como lugar na literatura brasileira contemporâneaAlessandra Valério (Unioeste/PR) Travessias, viagens, deslocamentos constituem os fios condutores de uma parte significativa das narrativas brasileiras contemporâneas. Sejam deflagrados por perdas emocionais, buscas identitárias ou necessidades de subsistência a mobilidade transnacional, os deslocamentos urbano e interurbano, os fluxos migratórios gozam de um estatuto privilegiado no quadro temático literário do presente. A presença recorrente e simbólica de espaços de dispersão e encontros como aeroportos, terminais de ônibus e metrô, rodoviárias, assim como a preferência por personagens erráticos, desenraizados, cosmopolitas indicam a opção por uma perspectiva calcada no movimento em detrimento da prerrogativa da fixidez, da habitação. Esse status quo aponta para uma convergência temática entre essas ficções e os estudos agenciados pelos chamados “intelectuais da diáspora”. Homi Bhabha (2007), um dos estudiosos mais representativos desse grupo, propõe um conceito de cultura que, entre outros aspectos, privilegie os deslocamentos, os locais de fronteira, as margens como um lugar outro de enunciação, híbrido, outro locus de inscrição, de intervenção e identificação. A cultura, sob este prisma, é a fronteira, passagem, travessia, encontros e desencontros de vozes dissonantes. Nesse âmbito, essas narrativas de deslocamentos e viagens acabam por agregar um enorme potencial de representação da alteridade e se tornam um campo fértil a ser atravessado por olhares transdisciplinares. Nesse sentido, este estudo objetiva perscrutar de que modo estão configuradas, nessas ficções, as relações de espaço, tempo e identidades a partir da prerrogativa do trânsito, do movimento, compreendendo, nos termos de Clifford (1997), que a viagem também pode ser um ponto privilegiado de observação, um local, “a localização humana”.