É vasta a riqueza de simbolismos presentes durante a performance na cantoria de viola: corpo, voz, espaço e tempo cartografam uma vocalidade, cujas dimensões visuais apenas exteriorizam uma complexa rede de símbolos que perpassam memória, (in)consciência, pensamento, linguagem, tudo simploriamente resumido no que alguns repentistas – por via do senso comum – denominam de “dom”; outros, apenas “técnica”; já outros uma fusão de ambos. Por outro lado, há questões teóricas abertas, ligadas à performance no improviso do repente de viola, que se impõem como relevantes e procedentes, tais como: quais são as matrizes, ligadas ao (in)consciente, ao pensamento, e/ou à linguagem que definem o improviso? É puro dom, como afirmam os repentistas, uma categorização de “privilegiados pela divindade”, como ratificam, ainda, alguns repentistas ou o próprio senso comum? Ou não seria um estado de pura técnica, construída pelo tempo? Para buscar responder a tais questionamentos, neste trabalho, importantes serão os suportes teóricos de Durand, à luz da sua teoria da imaginação simbólica, bem como das concepções de performance e vocalidade de Zumthor (2010); das contribuições do fenomenólogo Merleau-Ponty, responsável pelas interferências do chamado pensamento de base interior, definidor da linguagem poética, para quem a posse desta é compreendida em primeiro lugar como a simples existência efetiva de ‘imagens verbais, quer dizer, de traços deixados em nós pelas palavras pronunciadas ou ouvidas, quer sejam traços corporais, quer eles se depositem em ‘um psiquismo inconsciente. Em outra vertente, todo o processo criador provém de uma a imagem poética, de uma consciência criadora, marca de uma fenomenologia elementar, microscópica, que vem antes do pensamento, e que emerge na consciência como um produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado em sua atualidade, base da teoria de Bachelard (1983). Portanto, corroboram-se tais perspectivas com a proposição de Levy-Strauss para quem seria inconcebível se pensar em um fenômeno sociológico sem a presença do psíquico. Segundo este autor é este ao mesmo tempo simples elemento de significação para um simbolismo que o ultrapassa. Busca-se investigar que, em tese, não haveria repente sem ato (in)consciente, memória. Ao discorrer acerca da chamada teoria do inconsciente coletivo Jung (2002) afirma que nosso inconsciente é um sujeito atuante e padecente, cujo drama o homem primitivo encontra analogicamente em todos os fenômenos grandes e pequenos da natureza. A pesquisa, de natureza essencialmente etnográfica, encontra-se em andamento e parte de um corpus de entrevistas com 04 (quatro) repentistas, em atividade, bem como do acompanhamento e gravação de cantorias de viola entre 2016 e 2017.