O presente trabalho objetiva discutir as interpretações construídas pelos europeus sobre a América, a exemplo da (re)figuração da imago mundi, conforme executada no encontro com o longínquo, com o inóspito, com o inédito e com o Outro. A compreensão é a de que não se deve buscar nas narrativas de viagem a fidedignidade do relato em face aos referentes descritos, mas o modo pelo qual as características simbióticas de ver e interpretar o real lograram significações literárias e interculturais, a partir de uma rede discursiva de interesses e domínios. Assim, os diários de bordo e as cartas (2001), de Colombo, bem como O Paraíso Perdido (2001), do Frei Bartolomé de Las Casas, são os objetos de apreciação para a investigação das relações entre memória, tradição e imaginário colonial. Para Alfredo Bosi (1992: 377), o processo colonial, ao mesmo tempo material e simbólico, conferiu uma dialética cujas “práticas econômicas dos seus agentes estariam vinculadas aos meios de sobrevivência”, abarcando a memória, os modos de representação de si e do outro, os desejos e as esperanças, na união de trabalhos, cultos, ideologias e culturas, que se organizam por “determinantes positivos de ajuste, reprodução e continuidade”. Nesse cenário de replicação do discurso civilizador, o locus de enunciação é fundamental para escrutinar a condição de ser/estar no mundo, especificamente, no que agencia o desejo político do Outro. Segundo Walter Mignolo (2003: 35-6), no que concerne às margens políticas da Modernidade, não é a busca de salvação num sentido demiúrgico e messiânico que constituiu a redenção latino-americana, todavia, é num sentido de descolonização e de transformação intelectual que se pode alterar a “rigidez de fronteiras epistêmicas e territoriais estabelecidas e controladas [...] durante o processo de construção do sistema mundial colonial moderno” [da conquista da América aos dias atuais]. Além de Alfredo Bosi e de Walter Mingnolo, a fundamentação crítica e teórica também se respalda em Serge Gruzinski (2001), Alfredo Cordiviola (2005), em Todorov (1999) entre outros autores que permitiram a articulação dos saberes envolvidos.