"Levantado do chão" foi escrito por José Saramago como resultado de uma estadia do escritor numa propriedade rural do Alentejo. É um livro, que sendo a história de luta dos camponeses e do seu processo de libertação dos grandes proprietários de terras, conjuga para a ideia de levante em várias instâncias sociais ao redor do mundo: seja a libertação das mulheres do jugo masculino, a dos colonizados do jugo dos colonizadores, a dos subservientes ao jugo da ditadura. Pela época em que foi publicado, Lobo Antunes, retornado da experiência da Guerra Colonial em Angola, publica "Os cus de Judas", livro que é também um levante de consciência acerca dos limites criminais dos projetos de colonização. Mais que coincidências temporais, dos gestos de escrita e aproximações de linhas temáticas ou as oscilações e os trânsitos de tipos linguísticos apontados no primeiro romance e a abertura descondicionada e indisciplinada da narrativa do segundo, em ambos ganham contornos a preferência ficcional pelos procedimentos narrativos miscigenados e uma escrita que cumpre o interesse de reavivar o pacto entre ficção e realidade, num período em que o excesso de inovações conduzia o romance português para uma dissolução perigosa. Estes encaminhamentos fundam esta comunicação que objetiva entender como a literatura de José Saramago e a de Lobo Antunes representam a realidade portuguesa, sobretudo, a dos fins do século XX. A proposta se guia pelos pressupostos metodológicos de Erich Auerbach (2009) e elabora uma leitura de viés comparativo que busca um não-reducionismo das duas manifestações literárias, isto é, não é nosso propósito uma mera marcação de fatos históricos e sua verificação na costura dos textos escolhidos, mas buscamos, no movimento de leitura dos romances e nas relações assumidas entre eles, as relações essenciais que venham manter com o contexto histórico a que se referem. Como possíveis encaminhamentos podemos distinguir que, se ao primeiro escritor interessa as formas de representação da história, ao segundo interessa a representação subjetiva; enquanto um reúne esforços para alcançar o cerne das descontinuidades dos materiais históricos, o outro quer alcançar o cerne do pensamento verbal, lugar desistoricizado, lugar em que tudo vem antes de tudo. O esforço comum aos dois, entretanto, está no modo como o tempo histórico é apreendido nos romances, que aqui poderíamos entender como, a história em processo paralelo e a história em processo internalizado à obra literária. No primeiro, a história adentra e ventila o romance, no segundo, adentra e se dilui. O resultado é duas visões distintas sobre a realidade, embora, ambas estejam localizadas num território em comum: o da necessária reinvenção, característica peculiar do gesto artístico na literatura.