Em comunicação oral proferida à Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, durante um congresso que tinha como público-alvo a comunidade científica brasileira no ano de 1940, o professor Dr. Antônio Carlos Pacheco e Silva e o Dr. Olyntho de Mattos expuseram o que chamaram de “um interessante caso de homossexualismo feminino”. Tratava-se da paciente E.R., uma jovem brasileira de 25 anos, cozinheira, solteira e preta que havia se internado voluntariamente na Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. E.R. realmente era um interessante caso a ser estudado, pois seu corpo representava para a medicina não somente a disfunção sexual, mas também o “problema racial” do Brasil. Sua existência era periculosa para a construção da identidade brasileira, assunto que causou grande preocupação para os políticos brasileiros desde fim eminente do regime escravocrata. Mattos e Silva, ao estudar E.R. ora utilizavam das teorias médicas a respeito da homossexualidade, ora utilizavam as teorias raciais brasileiras para compreender sua existência enquanto mulher, negra, lésbica. Racializar o campo da lesbianidade é de suma importância para entendermos que essas mulheres eram compreendidas e se compreendiam no mundo, não somente a partir de sua sexualidade, mas também de outras subjetividades que afetavam suas vivências cotidianas. A partir desse caso específico, pretendo debater a respeito da importância do uso metodológico do conceito de interseccionalidade para entendermos a existência de mulheres negras queers.