Construído a partir do epistemicídio e genocídio dos povos originários e escravizados, o Direito ocidental possui marcas de origem, privilegiando corpos de homens cis/héteros, brancos e proprietários, com construção de uma subjetividade jurídica voltada para o impedimento de outros modos de existência. Assim, só esses indivíduos são considerados sujeitos e, em muitos casos, seres humanos, passíveis da proteção ofertada pelo ordenamento jurídico, sendo os marcadores sociais utilizados pelo Direito para classificação, organização e disposição dos corpos. O foco deste trabalho é a demonstração de uma subjetividade jurídica construída e pautada sob o pacto heterocisnormativo, que constitui o CIStema de justiça, inapto a conceber existências de mulheres trans e travestis como sujeitas de direitos. Para isso, trabalha-se com estudo de caso ocorrido no ano de 2021, no Município de Manga, situado no Norte de Minas Gerais (MG), em que uma mulher trans/travesti negra foi brutalmente açoitada pelo dono do bar/estabelecimento que já havia negado o seu atendimento. Verifica-se uma série de violações perpetradas pelo CIStema de justiça em desfavor desta mulher, em uma interseção entre racismo e transfobia que impede que ela seja vista como a vítima. Dentre as violações, estão: desrespeito à identidade de gênero e ao nome social; abordagem violenta e omissa da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG); demora na realização do exame de corpo de delito; inexistência de investigação sobre a motivação do crime, sendo tipificado como lesão corporal leve; extinção da punibilidade do autor do delito por meio do benefício da transação penal.