PARTINDO DAS DISCUSSÕES SOBRE LITERATURA, MEMÓRIA E HISTÓRIA, OBJETIVA-SE, NESTE ESTUDO, ANALISAR O ROMANCE DISTÓPICO O CONTO DA AIA, [1985] (2017), DE MARGARETH ATWOOD COMO UM GÊNERO LITERÁRIO QUE APRESENTA UMA FORMA MUITO PECULIAR DE RETOMAR VESTÍGIOS DA MEMÓRIA E REPLICÁ-LOS EM UM AMBIENTE FICCIONAL E DISTÓPICO. BUSCA-SE SUSTENTAR A ASSOCIAÇÃO ENTRE MEMÓRIA E DISTOPIA COMO ALGO QUE SE FUNDAMENTA NO ARGUMENTO DE QUE TEXTOS DISTÓPICOS SÃO FORMAS DE RETOMAR A TRADIÇÃO E DE PROBLEMATIZAR OS RISCOS SOCIAIS E POLÍTICOS DESTA RETOMADA, ALÉM DAS RESSIGNIFICAÇÕES CULTURAIS DAÍ DECORRENTES AS QUAIS INCIDEM, INCLUSIVE, NO CAMPO DA FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES. A DISTOPIA, SOB ESSE FOCO, É ANALISADA COMO UMA NARRATIVA EM QUE A DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO PRESCINDE DAS REFERÊNCIAS POLÍTICO-GEOGRÁFICAS CONHECIDAS, REFORMULANDO FRONTEIRAS E REDEFININDO ESPAÇOS FÍSICOS PARA AMBIENTAR UM FUTURO PROJETIVAMENTE APOCALÍPTICO, E POR ISSO MESMO, MARCADAMENTE FICTÍCIO. CONTUDO, EMBORA O EFEITO DO REAL SEJA AFETADO POR UM TEMPO QUE AINDA NÃO CHEGOU E POR UM ESPAÇO FÍSICO QUE AINDA NÃO EXISTA, HÁ UM AMBIENTE HOSTIL JÁ EXPERIMENTADO E FACILMENTE ASSOCIADO A FATOS DO PASSADO HISTÓRICO REINVESTIDOS DE FICÇÃO, DE INVENTIVIDADE E DE PROFUNDO NEGATIVISMO. É O QUE SE NOTA NA TRAMA EM ANÁLISE, NA QUAL TEMPO E ESPAÇO SÃO ELEMENTOS NARRATIVOS IDEALIZADOS, CIENTIFICAMENTE MODIFICADOS, MAS NÃO INVEROSSÍMEIS, PORQUE A AMBIENTAÇÃO DA NARRATIVA DESVELA QUESTÕES SOCIAIS JÁ CONHECIDAS PELO HOMEM, COMO A CARÊNCIA DE ALIMENTOS, A BUSCA INCESSANTE PELA ELIMINAÇÃO DE DOCUMENTOS QUE REGISTRAM A HISTÓRIA E A REDEFINIÇÃO DE ARQUIVOS, ALÉM DE UMA BUSCA AFERRADA AO PASSADO COMO TEMPO IDEAL, DETERMINANDO MODOS DE SER E DE AGIR. EM OUTRAS PALAVRAS, A CONDUTA SOCIAL DENUNCIADA POR ATWOOD SUPERVALORIZA MODOS DE SER E DE AGIR EM DETRIMENTO DAS CONDUTAS SOCIAIS CONSIDERADAS CORRETAS E DE FORMAS DE GOVERNOS CONSIDERADAS JUSTAS. PARTINDO DESSE PANORAMA, PROPÕE-SE, NESTE ESTUDO, TECER ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE OS RASTROS DO PASSADO REALOCADOS SOB A FORMA DE FICÇÃO E AMBIENTADOS EM UM FUTURO PÓS-APOCALÍPTICO NO ROMANCE, MOBILIZANDO O CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE VALÊNCIA DIFERENCIAL DOS SEXOS E O CONCEITO DE MEMÓRIA PARA ESTABELECER ALGUNS CAMINHOS COMPARATIVOS ENTRE AS PERSONAGENS DESTE ROMANCE E ALGUNS ARQUÉTIPOS BÍBLICOS. EM ESPECIAL, PARTE-SE DO PRINCÍPIO DE QUE A POPULAÇÃO DE GILEAD, ESPAÇO EM QUE SE PASSA A TRAMA, VIVENCIA UM ENCOLHIMENTO DEVIDO A UM CONTEXTO CLIMÁTICO E AMBIENTAL TÓXICO QUE LEVOU AO DECLÍNIO ACENTUADO DA FERTILIDADE HUMANA: POUCOS HOMENS E MULHERES SÃO FÉRTEIS E SÃO RARAS AS MULHERES QUE CONSEGUEM GESTAR E PARIR FILHOS SAUDÁVEIS, SEM ANOMALIAS GENÉTICAS OU QUE NÃO SEJAM NATIMORTOS. EM TAL CONTEXTO, TUDO O QUE É VALIOSO PERTENCE AO GOVERNO E UMA MULHER FÉRTIL PASSA A SER “ALGO” DE VALOR ACENTUADO, PORTANTO, DE MONOPÓLIO GOVERNAMENTAL. CUMPRE RESSALTAR QUE O VALOR NÃO ESTÁ NO GÊNERO FEMININO EM SI, MAS NA POSSIBILIDADE DE REPRODUÇÃO QUE ALGUMAS MULHERES TÊM, O QUE RETOMA UMA VISÃO PATRIARCAL DE RELAÇÕES SOCIAIS E DE GÊNERO. EVIDENCIA-SE TAMBÉM AQUI, A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA COMO FORMA DE REFLETIR ACERCA DO RISCO DO CONSERVADORISMO COMO CORRENTE DE PENSAMENTO POLÍTICA E IDEOLÓGICA.