Resumo: No início do século XX, em Viena, a ciência psicanalítica nascia sobre as mãos de Sigmund Freud e, com efeito, a humanidade sucumbia aos seus próprios males e sortilégios. Os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, escrito no limiar dessa revolução, marcam, em definitivo, as pegadas do mestre vienense sobre os escombros de um mundo atordoado pela repressão sexual. Neles, Freud esboçará a dinâmica da perversão, situando-a nas primícias de nossa existência, num tempo onde o corpo estrangula-se em sensações e prazeres. A integração pulsional depende, aqui, de um amadurecimento que reclama dependência e autonomia, onipotência e fragilidades, aderência à lei e ruptura aos códigos. Quando extravios comprometem o processo, as pertubações ganham espaço e reorganizam o modus operandi, a percepção e o agir do sujeito frente às intempéries da vida. Se o desejo se perverte, arruina-se a alteridade. Eis a cartografia do romance 120 dias em Sodoma ou a escola da libertinagem, de Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade. Deparamo-nos com uma narrativa marcada por excessos, em que o elemento humano cede às tentações do gozo, devastando o outro na medida em que o coloca na condição de fetiche. Como arcabouço teórico, utilizaremos os escritos psicanalíticos (pós)freudianos e os trabalhos sócio-filosóficos de Georges Bataille (1957). Pretendemos encontrar, no horror sadiano, as insígnias de um erotismo caústico, apto a decompor corpos e mentes, numa fantasmagoria que deixa, às escancaras, o submundo de nossas predileções.