A prostituição é um dos mais antigos ofícios. Há registros de sua presença já nas primeiras civilizações, nas quais as prostitutas são consideradas sacerdotisas xamânicas, cujas profecias eram regadas a práticas sexuais. Nesse cenário, o sexo assume um caráter comercial e o corpo feminino uma porta ao desconhecido. À semelhança do que ocorria na esfera cotidiana, onde animais, grãos e outros utensílios consubstanciavam as relações mercantis, nos templos, os augúrios reclamavam a luxúria e o dinheiro. Posteriormente, a moral cristã, que viria a se enraizar no Ocidente, retirou as prostitutas de sua posição sagrada, marginalizando-as e profanando suas ações, reduzindo-as a figuras abjetas e incitadoras do pecado. Doravante, a imagem da profissional do sexo permanece relacionada à podridão e à promiscuidade. Na contemporaneidade, olhares científicos se debruçam sobre as vicissitudes desse corpo mercadológico. Nessa esfera, as contribuições psicanalíticas ganham destaque. Aqui, a prostituição surge como processo subjetivo arraigado ao complexo de Édipo. Para Freud, o mundo do sexo é o domínio das fantasias. Destarte, propusemo-nos a analisar o conto Praça Mauá, escrito por Clarice Lispector e publicado na coletânea A Via Crucis do Corpo, em 1974. A narrativa apresenta duas prostitutas como protagonistas, Luísa e Celsinho. Este, uma travesti que, segundo o narrador, sente-se mais mulher do que aquela. O enredo nos conduz pelo cotidiano das personagens, demarcando a duplicidade da prostituição, já que durante o dia, no âmbito doméstico, submetem-se ao marido e aos filhos e, à noite, trabalham no cabaré Erótica, submissas aos desejos de seus clientes. Destarte, utilizaremos os estudos da psicanálise freudiana e o aparato histórico promovido por Rago (1990) e Robert (1987), a respeito do mercado do sexo e da cultura dos cabarés, a fim de analisar como o comércio do sexo afeta a vida das personagens. Além disso, investigaremos as noções de feminilidade expostas na obra literária e aprofundaremo-nos nos ideias culturais e morais que cindiram a mulher em duas, a santa e a prostituta.