A representação do feminino na obra de Clarice Lispector evidencia a mulher buscando romper com os ideais de feminilidade construídos pela ordem falocêntrica. Assim, suas protagonistas estão sempre sendo convocadas, por meio de elementos aparentemente banais da realidade, de forma epifânica, a refletirem acerca dos atributos de submissão, maternidade e fidelidade matrimonial. Em consequência, emergem sujeitos em luta contra a interdição da realização de seus desejos, de sua subjetividade, de suas pulsões libidinais. Exemplo disso é a personagem Ana, do conto “Amor”, publicado no livro Laços de família, em 1998, que, despertada por um cego, passa a pensar sobre a sua condição de mulher, de mãe, de dona do lar em contraponto com um espaço social capaz de lhe possibilitar muitas outras posições no mundo além das que podia ocupar no espaço privado. O objetivo deste trabalho é analisar as manifestações simbólicas da transformação do pensamento feminino no conto escolhido, compreendendo os sentidos sugeridos por elementos da natureza como o próprio cego, o bonde, os ovos, a rede de tricô, o ponto de parada do bonde, o jardim botânico, o fogão, as teias de aranha, a poeira, e até o nome da protagonista, bem como pelas sensações paradoxais de nojo e prazer que levavam a personagem a gozo. Para embasar a referida pesquisa, utilizamos, fundamentalmente, os pensamentos das teóricas Woolf (1929), Butler (2003), Zolin (2005) no tocante às questões de gênero, e Freud (1900), no que concerne à questão psicanalítica, voltada para a interpretação dos símbolos. Desse modo, esta pesquisa visa a construir sentidos para os símbolos apresentados e, mediante essa construção, chegar a um significante para as diversas imagens que gravitam em torno de Ana.