O presente trabalho investiga em que medida o modelo dicotômico de conceber a realidade pesa sobre os diversos conceitos de gênero e em que medida esses mesmos conceitos influenciam a construção de políticas públicas de gênero. Examinam-se também possíveis efeitos da incidência de políticas públicas de gênero, a partir de sua concepção binária, para um público específico, a saber, travestis e transexuais, cuja consequência acaba sendo reforçar estereótipos de gênero. Para tanto, na primeira parte são traçadas algumas considerações sobre a estrutura dicotômica de gênero (homem/mulher) e é feita uma breve revisão dos conceitos relacionados; é apresentado um sintético panorama da trajetória das políticas públicas de gênero no país. A segunda parte apresenta os resultados da pesquisa empírica realizada sobre a Carteira de Nome Social – documento que reconhece o nome social de travestis e transexuais – e sua aplicação no Rio Grande do Sul. Esforço da sociedade civil organizada e do Estado, a Carteira de Nome Social é uma política de reconhecimento da diferença, porém sua aplicação tem sido mais efetiva em grupos sociais engajados e vinculados a organizações ou entidades públicas. Para além do reconhecimento da diferença, a Carteira de Nome Social inaugura uma nova modalidade de pensar a política de gênero, rompendo com o tradicional binarismo que sempre permeou e ainda embasa tais políticas no Brasil, reiterando a sinonímia gênero-mulher e obscurecendo o debate plural da miríade identitária existente. Por outro lado, a Carteira de Nomes Social mostra-se frágil perante essa mesma gama de identidades de gênero e pode eventualmente cristalizar identidades.