O estudo das literaturas de língua portuguesa tem oferecido um campo bastante profícuo para as discussões sobre a irrupção do insólito. Em espaços comuns, corriqueiros, na construção de situações aparentemente diversas e em continentes diferentes, personagens – “seres de ficção, [...] edifícios de palavras” (BRAIT, 1985, p. 10) – gestam reações inesperadas frente à incongruência de seus quotidianos. Com papeis matizados de variadas cores e alicerces descontínuos, as narrativas de Mário de Carvalho, português, Mia Couto, moçambicano, e Murilo Rubião, brasileiro, subvertem a naturalidade dos elementos constituintes do quotidiano para cunhar um mundo realístico, experienciável, porém inconstante, em que as personagens questionam o que lhes acomete, ainda que se justifiquem pelas margens do contemporâneo – pensando-o como um período de conflitos e de surpresa permanente (BIRMAN, 2012) –, ao descreverem como comum o espantoso da vivência urbana ordinária. É, por exemplo, com base na categoria personagem que se pretende demonstrar as reações do narrador diante do insólito em “O circuito” (CARVALHO, 1990), do escritor português, comparando suas marcas às apresentadas em “O homem cadente” (COUTO, 2009), do escritor moçambicano, e “O ex-mágico da taberna minhota” (RUBIÃO, 2005), do autor brasileiro. Diante da irrupção do insólito nas relações em que atua o sujeito, também serão observadas as demais estruturas constituintes da narrativa, percebendo no trabalho com a linguagem e, mesmo, com base na concepção do sujeito, o modo como os autores burilam as palavras para cunhar narrativas tracejadas pelo insólito. A análise das narrativas far-se-á a partir da leitura e observação de sua estruturação, notando o modo como cada escritor constrói a manifestação do insólito, com foco central na categoria personagem, sem que se esqueça das demais categorias que compõem a narrativa e a tornam sempre uma proposta singular. Cada escritor, individualmente e, também, ancorado em sua realidade, propõe novas e diversas contribuições para os estudos das literaturas do insólito. Tendo-se em vista a configuração dos constituintes semelhantes e dessemelhantes, poder-se-á ler as narrativas com base nos conceitos arraigados aos estudos mais correntes sobre o tema, percebendo, portanto, os comparatismos possíveis e a maneira como os autores extrapolam os espaços quotidianos para configurarem mundos possíveis (ÁRAN, 1999). A leitura, com caráter comparatista e nutrida a partir da temática do insólito, guiar-se-á pelas margens do contemporâneo, com a pretensão de discorrer a respeito do “sujeito” representado nas personagens da ficção, as quais, por vezes, acabam maculadas por suas escolhas, concentradas que estão no amanhã, e se perdem no hoje. Assim, com o objetivo de mostrar as marcas singulares presentes em cada narrativa, tem-se a pretensão de, por meio dos comparatismos possíveis, demonstrar os modos como o texto ficcional de traço insólito se estrutura nos três escritores de língua portuguesa.