Esta fala é resultado de uma pesquisa realizada nos dois últimos anos. Foram revisitados vários discursos em narrativas de viajantes, sejam elas etnográficas ou não, a fim de investigar o perfil de trabalhadores amazônicos nos séculos XIX e XX, e os processos de fixação desses perfis em narrativas ficcionais contemporâneas de autores amazônicos. Aqui, elegemos a ficção de Milton Hatoum, escritor amazonense, para análise do problema. Uma das conclusões imediatas da pesquisa foi a conjectura de que muitos desses perfis de trabalhadores foram construídos a partir da figura de migrantes, judeus, portugueses, italianos, libaneses, turcos e japoneses. Desse modo, interessa-nos compartilhar o perfil de trabalhadores amazônicos traçados por viajantes e cientistas e o aproveitamento feito por romancistas para compor personagens identificados por sua dupla condição: primeiro ser estrangeiro em uma terra hostil, considerando as figurações e metáforas da floresta amazônica no imaginário europeu; em segundo, querer-se parte do lugar onde passa a viver, considerando as dificuldades de adaptação social, de interação linguística. A partir do discurso ficcional intentamos elaborar uma teoria imagética das figurações de trabalhadores, migrantes em território amazônico. Para que exista território é necessária uma ação de construção, produzida por seus diversos e distintos atores. Logo, a territorialidade está ligada a uma ação e ultrapassa o território. Assim, os migrantes que para a Amazônia vieram não perderam a essência de sua territorialidade anterior que, aos poucos e frente às novas realidades, adquiriram uma territorialização construída, a partir de novos modos de vida. É com esta vivência que se adquire uma nova identidade, consequentemente uma nova territorialização e configuração territorial. Nas obras analisadas, a saber, Cinzas do Norte, Órfãos do Eldorado e Cidade Ilhada, aparece o conflito entre a tradução e a não tradução dos mundos culturalmente heterogêneos, e por tanto a linguagem se mostra como lugar do político. Procurei estabelecer até que ponto as formas de representação do “outro”, junto com a reflexão sobre o sujeito da escrita, se aproximavam também dos questionamentos epistemológicos sobre a representação que vem se produzindo no âmbito das ciências sociais.