A comunicação destaca na produção de Conceição Evaristo como se dá o entrelaçamento de gênero,raça e sexualidade na escrita literária afro-brasileira, a partir da análise do conto “Luamanda”, presente no livro de contos Olhos d’água (2014). Cientes do lugar de marginalização imposto às mulheres negras no contexto social brasileiro, autoras negras apoderam-se da escrita como espaço de enfrentamento e disputa, produzindo uma literatura que reflete sobre as experiências desses sujeitos, as condições históricas responsáveis pela coisificação dos seus corpos e as estratégias diárias de resistências acessadas por elas. Nessa escrita, sua voz, inaudível para muitos, continua a ecoar (desde os porões dos navios às cozinhas contemporâneas) como arma de luta contra os silenciamentos impostos ao povo negro. Assim, a literatura exerce um papel fundamental de combate ao pensamento hegemônico. Portanto, investigar esses textos revela-se fundamental para entender como se estruturam as dinâmicas sociais em uma sociedade racista, sexista e marcada por profundas desigualdades sociais. No que concerne a produção literária de Conceição Evaristo, a escrita é interpelada pela experiência de vida da autora, que recorre ao neologismo escrevivência para explicitar a indissociabilidade da sua existência enquanto mulher negra, pobre, nascida na periferia de Belo Horizonte, de sua escrita literária. Adotar tal perspectiva é rasurar o continuum da tradição que projetou a figura da mulher negra como o não-sujeito, o corpo desprovido de intelecto e que, ao ser representada na literatura nacional, figurava como objeto destituído de humanidade, um animal movido apenas pelo instinto. O texto engendrado por Evaristo possui uma dimensão que perfaz a interconexão entre raça, gênero, classe social e sexualidade. Nos seus escritos, surgem mulheres distintas (diferentes recortes de geração, classe social, vivências, experiências, sexualidades, religiões...) que resistem e registram o apagamento histórico da população negra e que contra todas as expectativas sobrevivem. O conto em análise, “Luamanda”, revela o trabalho de ressignificação das representações construídas sobre as mulheres negras na literatura – tradicionalmente, representações hipersexualizadas, objetos de consumo para o homem branco e destituídas de controle sobre o seu corpo e sua voz. A narrativa percorre, em tons de memória, os diferentes enlaces amorosos da personagem vividos em suas quase cinco décadas de existência, destacando a sua conexão com a lua em momentos de gozo-prazer. Luamanda revela-se uma mulher autoconsciente do seu corpo e das belezas que ele podia proporciona. Assim, por meio de uma escrita literária combativa e consciente das construções presentes no imaginário, a autora discute a intersecção entre gênero, raça e sexualidade.