O presente trabalho surge a partir da pesquisa de mestrado intitulada 'Eu quero ter esse direito à escolha": Formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador' desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia. Nesse texto pretendo destaco as narrativas das interlocutoras auto-declaradas negras e pardas e como elas pensam os próprios itinerários abortivos. Há uma vasta literatura de trabalhos sobre abortamento que focam em mulheres que recorrem as unidades de saúde em decorrência de procedimentos inseguros que apontam dificuldades financeiras, necessidade de substência dos filhos já nascidos e de relações abusivas e/ou violentas como principais razões dos abortamentos entre mulheres negras, pardas e pobres. Entre as narrativas das interlocutoras que entrevistei, todas oriundas de famílias de classes populares e que narram trajetórias de ascenção social e econômica através da inserção na universidade e/ou de concurso público, destaca-se a reivindicação do aborto como uma possibilidade de protagonismo na vida pessoal e profissional dessas mulheres. A interrupção voluntária de uma gestação é perpassada por considerações acerca dos planos de carreira, da ausência de desejo pela maternidade ou da avaliação de qual modelo de família pretendem formar e em que momento de suas vidas. Nesse sentido, é interessante ressaltar que ao contrário dos achados veiculados na literatura sobre aborto provocado e mulheres negras e pobres, que apontam lugares de exclusão e violência que ainda persistem em se impor a essas mulheres, apresento nesse texto narrativas que se distinguem por se situar como resistência a um modelo de maternidade naturalizado; mulheres que pensam qual maternidade é possível ou desejável e que reivindicam para si a tomada de decisão sobre esse processo. As dificuldades financeiras aqui aparecem em menor destaque do que as ambições profissionais e os planos individuais de vida. Destaca-se aqui a função da Universidade nesses itinerários, mesmo quando estão em situação de fragilidade econômica a inserção na vida academica possibilita o vislumbre de um futuro de maior possibilidade e que permite o adiamento ou negação da maternidade e a referência da instituição da maternidade compulsória como modelo a não ser seguido, relatos de interesses individuais se sobressaem em contraponto ao medo de precisar dedicar-se exclusivamente a maternagem e por fim a avaliação de que família desejam, com quem forma-la; as mulheres apontam ponderações significativas sobre o que é ser mãe e que pai desejam para seus possíveis filhos. Assim, apesar de uma longa produção de discursos cientificos que reiteram as mulheres negras como corpos sem mente, a análise das narrativas dos itinerários abortivos apontam para uma larga reflexão dessas mulheres sobre si, sobre maternidades, paternidades, famílias, individualidades e ascenção sócio-econômica de mulheres não brancas oriundas de classes populares.