O Que Eles Acham das Cheinhas? O discurso sobre o corpo gordo no jornal A Folha de São Paulo nos anos 90.
Autor: Janaína dos Santos Maia (Mestranda-UFCG)
Co-autor: Paulo Souto Maior Júnior (Mestrando-UFPE)
Introdução
O artigo proposto foi idealizado com o objetivo, de se escrever uma nova página sobre a história dos padrões de beleza, idealizados para o corpo feminino. Buscando analisar a natureza dos discursos, capazes de moldar não só a mentalidade do individuo, mas também a maneira como estes tratam os seus corpos, é que almejamos entender o espaço ocupado pelo corpo gordo em meio a uma rede discursiva, a qual a cada dia, como percebemos, enaltece o perfil magro, marginalizando tudo aquilo considerado contrário.
Sendo por nos despercebido, o fato de os discursos a respeito do corpo, ter passado por um longo processo de construção, e utilizando os mais diversos veículos para a proliferação do mesmo, é que nos propomos neste trabalho, a analisar como a questão do corpo foi discutida em um dos veículos de comunicação de maior circulação no país, o jornal “A Folha de São Paulo” na década de 1990. Utilizando-se dos conceitos de Discurso, e Poder, presentes em Michel Foucault, ambicionaremos neste estudo, discutir a respeito de como o corpo gordo é falado, através das páginas deste jornal, e como a representação deste corpo teve influência sobre os padrões da época pesquisada.
Palavras Chave: Corpo; Gorda; Padrão de Beleza
Não me chame de Gorda!
Folha de São Paulo: Qual foi a maior maldade que já fez?
Luiz Duarte: Normalmente sou uma pessoa muito boa, mas uma vez chamei a Paula Abdul de gorda no ar. Alias, de paquidérmica. A gravadora dela até mandou uma carta me pedindo pra não fazer mais isto. (Folha de São Paulo, sessão: Revista d, 26/01/92)
O trecho acima citado foi retirado de uma entrevista concedida pelo cantor Luiz Duarte, ao jornal a Folha de São Paulo. Vemos que ao ser questionado sobre a pior maldade feita por ele na vida, ele relembra que chamar a cantora Paula Abdul de gorda, tinha sido a pior de suas ações. Analisando mas detidamente a colocação do cantor no referido jornal, avaliamos o fato de o adjetivo “gordo”, ter se transformado nos anos 90, em uma ofensa, capaz de ridicularizar aquele a quem a característica é atribuída, em especial se este “elogio” for dirigido a um individuo do sexo feminino.
Ao estudarmos o contexto histórico em que estão inseridas as mulheres no Brasil, vemos que em meados do século XX, em especial a época compreendida entre os anos de 1920 e 1950, houve uma eclosão de uma série de discursos referentes ao corpo feminino esbelto, e sobre o modo como este deveria sempre ostentar uma boa aparência, a qual deveria corresponder aos padrões sociais de cada época.
Difundido principalmente nas páginas das revistas, nas telas do cinema e da televisão, pouco a pouco foi se dado ênfase a pratica da ginástica e as dietas com o objetivo de manter o corpo “na linha”. Neste período o esforço em manter a silhueta fina passou a ser algo comum entre as mulheres, mesmo que fosse necessário fazer os exercícios em casa em frente ao espelho. O tão “comentado corpinho de violão” de quadris largos e cintura fina passam a estampar as revistas, os concursos de miss Brasil passam a atrair uma série de admiradores e os meios publicitários são categóricos ao afirmar que qualquer mulher poderia alcançar o padrão de beleza desejado sendo disciplinada e esforçada (SANT’ANNA,2012)
Com a passagem da década de 1950 para os anos de 60, 70 e 80 esta cultura estética não perdeu o sua importância, e nos dias atuais percebemos que os discursos relacionados ao corpo perfeito, ganha mais força. Neste espaço, o corpo fora do padrão socialmente aceito, passa a ser recriminado e evitado, estar gorda é o sinônimo do fracasso, e não conseguir perder aqueles quilos a mais, é o equivalente a uma maldição.
Voltando-nos a analise, do trecho da entrevista exposta no inicio deste dialogo, vemos que ao ser chamada de “gorda”, a cantora Paula Abdul, se sentiu ofendida, e expos o seu desejo de não ser atribuída a este adjetivo novamente. Com isto, percebemos que estar acima do peso, é considerado um denotativo de vergonha e quando outra pessoa aponta este fato, esta cometendo uma grande maldade.
Diferente dos discursos que circulavam nos anos de 1930, o qual enaltecia as mulheres “carnudas” “roliças” (SANTANA, 2007), capazes de aguentar firmemente os trabalhos diários, e ainda serem boas “parideiras” caso tivesse as “ancas largas” o padrão magro, passa a ser um único socialmente aceito, e caso houvesse algo contrario a isto, este devia ser imediatamente hostilizado, pois passava a ser inadmissível que em pleno século XX, uma mulher se descuidasse do seu corpo, e andasse por ai desfilando com seu excesso de peso.
A partir deste ponto, percebemos notadamente a sobreposição de um discurso sobre o outro, ou seja, o corpo “carnudo” antes considerado como sinônimo de saúde e força passou, em uma determinada época, a ser marginalizado e evitado, em detrimento do padrão mais enxuto e fino. Segundo Michel Foucault (2012), tais fatores, são o demonstrativo de que os discursos obedecem a uma ordem, onde aqueles encontrados na mais alta escala de poder, são capazes de influenciar o processo de construção de toda uma rede discursiva, que em nosso caso, tem na dualidade magro e gordo, um claro exemplo de como alguns discursos acabam se sobrepondo a outros.
Referências
FOUCAULT, Michel, Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2012.
________________ A Ordem do Discurso. Aula inaugural do Collége de France, pronunciada em 02 de Dezembro de 1976. São Paulo: Edições Loyola, 2012.
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de, “Sempre Bela” in. A Nova História das Mulheres no Brasil, São Paulo: Contexto, 2012. (Pag. 105-125)
SANTANA, Denise. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Liberdade.