A representação do sujeito feminino nos contos de fadas sempre foi muito marcante e nos chama a atenção por sua forte influência na/para constituição de certo imaginário feminino em nossa sociedade, tradicionalmente constituída a partir de sua relação de dependência com o outro, majoritariamente representado pelo sujeito masculino, produzindo assim uma imagem de sujeito subordinado, dependente e frágil. Mas essa é uma forma de representação que vem sendo modificada pelas adaptações ou novas versões que a mídia cinematográfica oferece ao público, provocando uma aparente ruptura com o discurso tradicional. Em face desse contexto, considerando o cinema como um espaço de reprodução, deslizamento, ruptura e construção de sentidos, nos deparamos com a seguinte questão: como se constituí a identidade feminina em versões cinematográficas contemporâneas de contos de fadas? A fim de responder a esse questionamento selecionamos o filme Valente (2012), uma parceria dos estúdios PIXAR e Disney, que apresenta uma aparente quebra de padrões estéticos e de comportamento do sujeito feminino. Dessa forma, nosso objetivo é investigar como se constituí a identidade feminina nessa versão cinematográfica contemporânea de contos de fadas, e mais especificamente, analisar como se representa o sujeito feminino em relação a si mesmo e ao outro, bem como, entender que relações interdiscursivas há entre o discurso da versão cinematográfica e dos contos de fadas tradicionais no que se refere à constituição da identidade do sujeito feminino. Para tal, a análise fizemos dois recortes discursivos, disponibilizados em quadros de cenas (ou fragmentos de cenas) que fornecem subsídios para a investigação da constituição da identidade do sujeito feminino ou dos efeitos de sentido produzidos sobre esse sujeito em relação a dois centros: o eu e o outro. Essa pesquisa se inscreve no campo de estudo da Análise do Discurso (AD) de vertente francesa, do qual nos utilizamos de certas categorias teóricas, tais como discurso e interdiscurso, sujeito e posições-sujeito (PÊCHEUX, 1969) e representação (ORLANDI, 2007). Para tratar de identidade, numa perspectiva discursiva nos apoiamos em Foucault (1995) e nas contribuições de Ferreira (2009). O estudo ainda nos oferece elementos para uma reflexão crítica sobre o lugar social da mulher representado na contemporaneidade pela indústria do cinema. Na narrativa fílmica percebemos uma ruptura com a imagem tradicional do sujeito feminino nos contos de fadas, que pode ser observado na estética e no comportamento, além de uma relação interdiscursiva com o discurso feminista, gerando conflitos nas relações tradicionais de poder (masculino x feminino) e deslocando sentidos sobre o sujeito feminino, que passa de subordinado a independente.