O mito grego atravessou o tempo, chegando aos dias atuais na forma de mito do dom, que o senso comum se apoderou para explicar os talentos e aptidões dos indivíduos no meio social e profissional. O dom adquiriu uma aura mística e divina, uma verdadeira dádiva ofertada a apenas alguns poucos privilegiados, ou mesmo, escolhidos, retratando o conformismo diante do sucesso alheio e desigualdades sociais. No início da educação infantil, quando a criança rompe a esfera familiar e se insere em uma esfera social mais ampla, o mito do dom fica ainda mais evidenciado, atribuindo ao dom o desempenho escolar de algumas crianças. O propósito deste estudo foi analisar o mito do dom na educação infantil, tendo como metodologia uma reflexão teórica, com abordagem qualitativa, analisando esse conceito à luz de uma perspectiva de educação histórico-crítica. Os resultados nos mostraram que, para cada geração que surge, se descortina um mundo de objetivações materiais e ideativas forjadas pelas gerações precedentes, cabendo ao sujeito se apropriar desse patrimônio histórico da humanidade. Nesse contexto, o contato inicial com esse capital cultural se inicia no lar e depende da riqueza das experiências culturais que a criança vivencia. Logo, em um ambiente familiar rico culturalmente, aliado a um repertório linguístico culto praticado, confere à criança maior desenvoltura ao argumentar e, inevitavelmente, maiores chances de sucesso escolar. Conclui-se, portanto, que o dom recebido pelos escolhidos caí por terra, revelando o privilégio dos filhos das classes privilegiadas como o responsável pelo êxito escolar alcançado.