RESUMO: A proposta de leitura das duas narrativas breves cervantinas, El celoso extremeño e Las dos doncellas se apoia na liberdade de interpretação proposta no Prólogo das Novelas Ejemplares.. Nessa perspectiva, tomamos a iniciativa de refletir sobre esses textos tendo em vista o discurso mantenedor da ordem da época, sobretudo, o relacionado com a moral e a religião, orientado pelos códigos de conduta e tratados morais e a relação que se estabelece na representação da vida em sociedade, presente na arte literária. Vemos nas narrativas El celoso extremeño e Las dos doncellas alguns rompimentos com relação aos perfis proeminentes naquele contexto em que predomina a superioridade masculina. Sendo assim, a arte passa a ser um instrumento de fazer pensar sobre as práticas recorrentes, estimuladas por uma possível liberdade de interpretação do texto conferida ao autor. Como o texto materializa contradições evidentes, embora não raro sejam exceções do contexto, não é nossa pretensão resolver essas contradições. Através delas, somente conseguimos mostrar que a ficção, com uma estratégia de representação da sagacidade da vida em sociedade, ultrapassa os limites das regras prescritas para o bom comportamento tanto de homens quanto de mulheres. Utilizando-se de estratégias da linguagem literária, Cervantes revela e oculta informações compatíveis com o experimentado no âmbito social, contudo, as transforma a seu bel prazer, atribuindo o compromisso da interpretação a seu interlocutor, isto é, ao leitor. Como diz Ludovik Osterc (1995), em obra cujo título é bastante ousado - La verdad sobre las Novelas Ejemplares - é muito difícil, para não dizer impossível, classificar o mundo da fantasia por sua infinita variedade e falta de limites exatos entre o inventado e o observado.