A humanidade, desde as primícias da existência, desenha-se nas inconstâncias da linguagem e da memória, erigindo os espaços de atuação, normatizando o comportamento e, de forma não menos manipulatória, plasmando os signos instauradores de uma Ordem, cujos fundamentos se prestam a uma hermenêutica da conveniência. Assim, no decurso da história do Ocidente, podem ser considerados culturalmente convenientes a religiosidade e o patriarcado. Ambos se cruzam, tangenciam-se e, amiúde, se complementam, de modo a demarcar os lugares e os papéis dos indivíduos. Esse complexo semiótico se imiscui, significativamente, nas tramas discursivas da tessitura literária (instrumento das representações que o homem faz de si mesmo e do mundo), tornando possível o rastreamento e interpretação de seus códigos. O saber popular, especialmente aquele enraizado no romanceiro iberoamericano, traduz uma concepção de mundo ainda pautada nos direcionamentos conservadores sobre o gênero, o sexo e a sexualidade. Homem e mulher são geralmente delineados como figuras antagônicas, diferentes, com funções específicas e identificadas por uma hierarquia discriminatória e perversa. Reside, nessas reflexões, nossa proposta de estudo: examinar, no romance oral Tens um filho sem marido, as configurações ideológicas que bosquejam as bases culturais de um ordenamento social edificado pelo patriarcado, o qual se afirma e se consolida em seu diálogo afinado (às vezes ruidoso) com o catolicismo popular. Como arcabouço teórico, recorremos aos constructos epistemológicos e analíticos da Semiótica das Culturas, desenvolvidos por Cidmar Pais e François Rastier. Trata-se de uma teoria que busca apreender, por meio das relações linguageiras, a íntima relação entre homem, cultura e sociedade. A análise possibilitou-nos entender algumas tensões culturais que permeiam o imaginário popular, como, por exemplo, os paradoxos de uma religiosidade capaz de legitimar a violência patriarcal e, ao mesmo tempo, negá-la quando valores humanitários entram em cena.