Incorre-se em equívoco irreparável, durante a pesquisa etnográfica, desconhecer a importância da imersão dos sujeitos apologistas e cantador de viola, este quando em performance, no mundo no qual ambos estão inseridos. Aqui, de acordo com a perspectiva teórica de Negri e Hardt (2005), não defendemos a redução das formas poéticas – dentre as quais o improviso de viola faz parte – meramente a condições socioeconômicas, políticas ou sociais, entretanto reconhecemos que a literatura, enquanto produção linguística e estética, refrata tal universo, daí a razão de apreendermos as subjetividades em cascata que ocorrem entre os sujeitos cantador de viola, em performance, e apologistas (plateia) no interior desse mundo de relações. Este trabalho traz como escopo central de análise um relato de experiência vivenciado a partir da nossa imersão, enquanto pesquisador, em dois momentos distintos de observação e gravação, em mídia eletrônica, de cantoria de viola: o primeiro deles, cantoria na modalidade pé-de-parede, realizada na cidade de Campina Grande (PB), no dia 04/01/2108, entre os cantadores Raimundo Caetano (paraibano, 63 anos) e Felipe Pereira (rio-grandense, 23 anos); e o segundo, um baião de sextilhas, defendido pelos cantadores Manoel Messias (rio-grandense, 55 anos) e José Albino (rio-grandense, 20 anos), gravado em festival de cantadores, realizado na cidade de Buenos Aires (PE), no dia 18/08/2018. Em ambas as performances, três questões emergiram: 1ª) a efervescência do período pré-eleitoral para as eleições de 2018; 2ª) as incertezas jurídicas da possibilidade de candidatura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República para este pleito; e 3ª) a repercussão da (i)legitimidade da prisão deste político, preso desde abril de 2018, pelo TRF (Tribunal Regional Federal) – 4ª Região – sediado no Paraná. Nesta perspectiva, como objetivo fundante nos propomos a analisar de que forma, e em que níveis, tais fenômenos puderam interferir nas performances (através de sextilhas e décimas) dos repentistas, bem como nas reações dos apologistas presentes. Com efeito, à luz do que prevê um olhar, necessariamente subjetivo para a pesquisa de base etnográfica, neste relato de experiência, nos propomos, enquanto pesquisador, de acordo com Geertz, a nos adentrarmos na chamada descrição densa, ‘casca dura’ da existência humana de seus colaboradores, marca primeira de qualquer empreendimento etnográfico de qualidade. Para as concepções de memória e suas ressignificações lançamos mão dos estudos Changeux (1974), Le Goff (2002), Zumthor (2010) e Barthes (1971), para quem o comportamento narrativo tem uma função social que transcende a mera fixação mecânica da informação. Entendendo a memória como “não só ordenação de vestígios, mas releituras destes” (CHANGEUX 1974, p. 35), “reconstrução regenerativa” (LE GOFF, 2002, p. 430) e “onde tudo isso sobrevive” (HAVELOCK (1996, p. 274). Os dados avaliados nos revelaram que, enquanto atividade dialógica e inserida em contextos sociais e fenomenológicos complexos, a cantoria na contemporaneidade, refrata, se ressignifica e reproduz impressões de mundos os mais diversos. A força do improviso, em um universo sócio-político e econômico cada vez mais complexo, controverso e ameaçador – sobretudo no Nordeste brasileiro – exige do cantador cada vez poder de atualização e criatividade.