A transposição do Rio São Francisco vem possibilitando percepções distintas: ora concebido como um projeto que promoverá a sustentabilidade hídrica para o semiárido, ora apontado pela intensidade das mudanças socioculturais e ambientais propiciadas. Os arranjos-políticos institucionais formados para o delineamento e a implantação do Projeto de Integração do Rio São Francisco têm apresentado situações e relações de poder, pretensamente forjadas em princípios democráticos. Ao reconstruir a trajetória desse processo situando a ação dos diferentes atores, observa-se o que Bourdieu denomina de exercício de um poder simbólico - poder exercido com o consentimento daqueles que não querem saber, ou não sabem, que lhes estão sujeitos. Dessa maneira, o presente artigo objetiva analisar o processo inicial de implementação das obras de integração do São Francisco, no município de São José de Piranhas, no estado da Paraíba, na perspectiva das relações de poder desencadeadas. Essa questão conduziu a inquietações como: quais as instituições envolvidas no processo decisório e suas devidas competências? Como se construíram as responsabilidades e decisões entre os diferentes agentes institucionais e atores sociais? Como essa política vai se desdobrando nas comunidades atingidas? Os arranjos que se constroem em volta da política da Transposição do São Francisco instigam a participação ativa e plural dos atores envolvidos? Inicialmente, realizou-se uma pesquisa exploratória. Nessa etapa, como instrumento metodológico, optou-se pela análise documental e realização de entrevista, que se fez através de um roteiro previamente elaborado, além de registros fotográficos. As entrevistas foram realizadas com 2 (dois) representantes locais do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, 2 (dois) de associações de moradores e de 2 (dois) reassentados. Recorreu-se, ainda, a uma base conceitual que instigou a análise sobre como se estabelecem as relações de poder entre os diferentes agentes envolvidos no início da obra de integração São Francisco. Para tanto, utilizou-se de conceitos como: poder simbólico, violência simbólica e participação, pautando-se, inicialmente, nos trabalhos de Bourdieu (2012), Clemens (2016), Mendonça (1996) e Tarrow (2009). Os resultados iniciais indicaram que o Projeto de Integração do São Francisco se constrói e se desenvolve em campos revestidos de relações de poder, onde há a sobreposição da burocracia estatal em relação aos atingidos pela transposição. Os processos decisórios no que diz respeito ao início da obra, assim como a escolha da área a serem cobertas pelas águas, e das famílias desapropriadas, por exemplos, ocorreram de modo impositivo. A maneira que os agentes estatais iniciaram os trabalhos de medição, sem expressar preocupação em informar à população do que se tratava de fato, revela atitudes autoritárias. Porém, à medida que o projeto da transposição foi se desdobrando em São José de Piranhas/PB instigou, a participação ativa do sindicato, no que diz respeito, principalmente, ao papel que exerceu de agente interventor/mediador entre população atingida e os agentes do Ministério da Integração. Remetendo-nos ao objeto de análise do presente estudo e a base conceitual apresentada, induz refletir que o Projeto de Integração do São Francisco, em São José de Piranhas/PB, desencadeou relações de poder, caracterizadas principalmente através do poder e da violência simbólica perpetuada no decorrer do processo de implantação, haja vista que os atingidos são conduzidos à outra realidade, cujas possibilidades de escolhas são poucas ou, até mesmo, inexistentes. Ao analisar o comportamento político dos atores envolvidos, bem como a condução do processo decisório, a política de reassentamento e, aos aspectos que possibilitam os atores locais permanecerem submetidos a uma relação de poder, identifica-se o exercício da violência simbólica promovida pelo Estado. É nessa perspectiva das relações de poder que perpassam nos arranjos institucionais da transposição do Rio São Francisco, que este trabalho se insere.