Nos últimos anos, tem se observado um inovador sistema normativo relativo aos direitos das comunidades indígenas, como o fórum permanente das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre questões indígenas em 2000, a adoção da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais em 1989 e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. No âmbito do Sistema Interamericano, é possível perceber três vertentes concernentes aos direitos dos povos originários: o direito à vida digna, a proteção à propriedade comunal e o direito à consulta prévia. Recentemente, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em decisão histórica, a proceder de forma imediata e efetiva à demarcação e delimitação das terras e ao direito de propriedade coletiva do Povo Xukuru, localizado em Pesqueira, Estado de Pernambuco. É importante salientar que o direito à propriedade comunal desvia-se do direito de propriedade clássico. Distintamente da sua acepção ocidental, a propriedade indígena nunca é absoluta ou exclusiva, porquanto existem limitações a ela de caráter comunitário, familiar e religioso. Algumas características como alienabilidade e direito exclusivo são, portanto, estranhas à cosmovisão indígena. É possível perceber que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, desde julgados anteriores – sendo o pioneiro o Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tigni vs. Nicarágua -, vem promovendo diálogos interculturais com as comunidades originárias no tocante ao direito de propriedade comunal, inserindo-se nesse âmbito o Caso do Povo Xukuru vs. Brasil. Os diálogos entre ordens jurídicas distintas, sobretudo entre Cortes Internacionais e aquelas pertencentes aos povos indígenas, fazem parte de um novo fenômeno que merece ser estudado à luz do transconstitucionalismo. Assim, em um primeiro momento teremos como objetivo abordar os intercâmbios interculturais entre a Corte e os povos originários à luz dos sistemas transconstitucionais desenvolvidos por Marcelo Neves. Em seguida, traçaremos a discussão mais que necessária sobre as diferenças entre o conceito ocidental de propriedade e aquele compreendido pelos povos indígenas a partir de sua cosmovisão, também à luz da interculturalidade, como proposto por Raquel Yrigoyen Fajardo, travando diálogos construtivos entre diferentes sistemas socioculturais. Nesse contexto, adota-se uma perspectiva norteada pelo pluralismo jurídico, a partir da concepção de que diferentes grupos, de maneira paralela ao poder Estatal, desenvolvem formas próprias de organização social a partir da defesa de princípios valorativos comuns, divergentes da cultura jurídica oficialmente estabelecida. Importam, nesse diapasão, as contribuições de Antonio Carlos Wolkmer sobre os novos sujeitos coletivos, dos quais o movimento indígena, que ganhou força no século XX, é importante exemplo. Ver-se-á, assim, como tais grupos não apenas possuem sistemas jurídicos e valorativos próprios, mas são, também, produtores de novos direitos, a ser considerados na perspectiva transconstitucionalista intercultural. Por fim, o último capítulo versará sobre as características do Povo Xukuru, a inserção do seu caso específico nas discussões sobre direito à propriedade comunal e a sua luta pela demarcação de suas terras. A hipótese aqui aventada é a de que o Caso do Povo Xukuru obedece a um novo padrão da Corte Interamericana de Direitos Humanos em aceitar, em sede de seus julgamentos, entendimentos inovadores e alheios à estrutura clássica dos direitos humanos. As comunidades originárias, além disso, passam a atuar não apenas como receptoras de direitos, mas como protagonistas nessa mudança conceitual - protagonismo esse que chega às Cortes Internacionais. O trabalho utiliza-se de movimentos de pesquisa exploratória, a partir da qual artigos de periódicos, livros e demais bibliografias foram consultados para, ao fim, auferir as conclusões necessárias dedutivamente.