Objeto crescente de interesse, o estudo acerca da transgeneridade tem se ocupado de questões que contemplam a diversidade e a contingência de gênero, sexualidade, identidade, corporalidade, sobretudo, demonstrando os desdobramentos sociopolíticos da não conformidade com as normas de gênero fundadas no binarismo masculino e feminino. Nesse sentido, tais reflexões também se interessam pelas narrativas de vida e organização social de pessoas e comunidades trans, bem como os meios de produção cultural que representam ou expressam a diversidade de gênero, e, ainda, a medicalização dessas identidades e despatologização das diferenças corporais. Observamos que há, no escopo dessas pesquisas, um direcionamento para mudar as condições de produção do conhecimento sobre o fenômeno transgênero, fortemente circunscritos nos domínios do saber-poder das ciências médico-biológicas, que, em muito, ainda concebem a transgeneridade como condição clínica de transtorno de identidade de gênero. Esse trabalho, portanto, se inscreve na esteira da perspectiva despatologizadora, proposta por alguns estudos feministas e pela Teoria Queer, concebendo que esses estudos podem ser conduzidos a partir de uma ótica multidisciplinar, uma vez que têm objetos complexos, como o corpo, as memórias e as subjetividades. Dito isso, defendemos a ideia de que a identidade de gênero não é um a priori, mas uma construção social, histórica, ideológica (discursiva) que reveste de sentidos o corpo trans, ao definir/determinar o que é/como ser homem ou mulher.