Em minha pesquisa de doutorado a proposta é estudar a poesia do paulistano Roberto Piva (1937-2010) através do mapeamento de suas principais apropriações, criações e críticas. No presente trabalho me concentro na apresentação das apropriações literárias (entendidas como referências) do poeta com base na natureza artística/experimental de contato com autores lidos e tratados em seu livro “Ciclones” (1997), como é o caso de Dante Alighieri e William Blake. Em “Ciclones”, há indícios de uma “poética individual” construída original e coerentemente com alguns autores e temas tradicionais da literatura, agora numa nomenclatura atualizada: “poesia xamânica”. É correto afirmar que o desejo sexual e o erotismo, bem como a alucinação e a vertigem, são aspectos do xamanismo e da tópica do sagrado recorrentes nesta obra povoada de imagens, metáforas e simbologias místicas. A constante reelaboração da temática “infernal” d’A Divina Comédia, presente em outros livros de Piva e muitas vezes na própria figura de Dante Alighieri (como num poema sem título de “Ciclones”: “Dante foi um bruxo da família/ Visconti (...) Todas as novidades estão no Inferno”), pode ser aprofundada através da abordagem crítico-interpretativa de obras de William Blake. Pois a escrita de Piva, imbuída de uma crítica aos modelos sociais e culturais de comportamento do homem, mostra um interesse na reformulação de valores humanos através do que chamamos de “conhecimento experimental”, no qual conseguimos acompanhar de perto um movimento apropriativo essencial à própria linguagem do poeta – e que se ajusta a uma leitura propositalmente infernal de Dante feita por Piva. Observamos a proximidade de entendimento do conhecimento poético em Piva, por exemplo, na obra “Visões de William Blake” de Alcides Cardoso dos Santos (2009), que de início aponta no poema Jerusalém a Emanação do gigante Albion a transformação da humanidade enquanto “mudança individual, pela passagem de uma visão que contrapõe a razão à imaginação a uma visão imaginativa e intelectual”. Já em “William Blake: the early illuminated books” de Morris Eaves (1993) existe a ideia das artes do “gênio poético” (ou imaginação) como um dos temas centrais em The Marriage of Heaven and Hell, no qual o poeta inglês desloca leituras da Bíblia (tradição cristã) e, principalmente, da poesia, e de poetas como John Milton de Paradise Lost. Isto é feito para repor a supremacia da imaginação – função poética por excelência – possível através do entendimento de “a ‘true Poet’ like Milton (...) ‘of the Devil’s party’”, nas palavras de Blake em uma nota (‘Note’) ao final de um capítulo do longo poema. Além disso, The Marriage of Heaven and Hell é, por excelência, “where poets replace priests and their hierarchy of faith. The contrary of religion, then, is not atheism but art”; ou, numa nota mais atualizada que Eaves diz ser possível também: “Note: heaven is religion, hell is art”. Céu e inferno, corpo e espírito, religião e/ou arte, tudo é promissor para conhecer melhor as abordagens místico-religiosas/corporais-sensuais e o “conhecimento experimental” na poesia de Roberto Piva através da poesia de William Blake e Dante Alighieri.