O homem, na sua aversão a tudo aquilo que lhe é diferente – e que não consegue controlar – sempre erigiu barreiras ao redor da sexualidade. Através de discursos ora religiosos, ora médico-legais, a sexualidade correntemente via-se interditada por um falso moralismo, que institui, no decurso temporal, uma diáspora entre práticas sexuais higiênicas e sexo abjeto. Assim, qualquer sujeito que ousasse transgredir os limites do entendido como “natural” era vilmente rotulado de perverso. Na atualidade, é a ciência médica, mais especificamente a psiquiatria, que define as atividades sexuais desviantes, denominando-as de parafilias, a exemplo do voyeurismo, exibicionismo, sadomasoquismo, fetichismo, entre outras. É contra essa “normatização” que o trabalho da psicanalista neozelandesa Joyce McDougall se constrói. Com o conceito de neo-sexualidades, McDougall compreende a plasticidade dos laços eróticos como arranjos, ou simplesmente possibilidades, que a própria sexualidade humana nos proporciona. Dessa maneira, procura livrar-lhes da conotação negativa que o termo “perversão” carrega. Nossa pesquisa, numa conexão entre os estudos psicanalíticos de base (pós)freudiana, e a leitura que McDougall faz das perversões sexuais enquanto soluções psíquicas, procura elucidar, no conto Relicário, de Felipe Greco, os mecanismos subjetivos da perversão, os quais mobilizam o protagonista, demarcando sua maneira de enlaçar-se com o outro, numa liturgia onde a castração é rarefeita e insuficiente.