A carta pessoal outrora foi um dos gêneros discursivos mais utilizados para comunicação interpessoal. Hoje, é indiscutível que, mais que simplesmente substituída, houve uma transformação da carta em outros gêneros; como os gêneros digitais – que são as principais formas textuais-discursivas de comunicação. Entretanto, para o estudo diacrônico da língua, a carta pessoal ainda ocupa um status substancial, sobretudo por evidenciar o caráter íntimo e espontâneo das relações, além de revelar certas escolhas linguísticas que podem evocar tradições no discurso, ou ainda, ser constituinte da estrutura composicional do próprio gênero. Propôs-se, nesse sentido, investigar as marcas linguístico-discursivas que apontam para o que Koch & Oesterreicher (1997, 2006) chamaram de proximidade comunicativa, e também investigar o que essas marcas de oralidade despontam de Tradição Discursiva (TD), através das relações e papéis socais dos escreventes. Para isso, selecionou-se um corpus de 189 cartas pessoais de pernambucanos datadas no período de 1860 a 1989, correspondentes aos séculos XIX e XX. Essas cartas foram coletadas na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e, através de doações autorizadas, totalizam um corpus com aproximadamente 49.500 palavras e estão divididas em cartas de amor, de amigo e de família. Dentro das principais etapas que constituíram o processo de análise, está a performance da carta pessoal, incluindo as preferências por determinados usos linguísticos, elementos textuais que se apresentam na estrutura composicional tradicional do gênero e a construção e análise do perfil e dos papéis sociais dos escreventes. Nesse sentido, a análise embasa-se nos seguintes aportes teórico-metodológicos: Brown & Gilman (1960), para a hierarquização das relações interpessoais e na escolha de certas formas tratamentais; Conde Silvestre (2007) e Brown & Levinson (1987), para a compreensão dos papéis sociais dos interlocutores; Koch & Oesterreicher (1997, 2006) e Kabatek (2006), para a discussão relacionada às TD e à proximidade comunicativa; e finalmente, Pessoa (2002) e Soto (2007), para o tratamento do gênero carta pessoal. Os resultados iniciais obtidos evidenciam marcas linguísticas que apontam para o eixo comunicativo oral, seja de nível sintático, pragmático, semântico ou lexical. Essas marcas foram evidenciadas, a partir do estudo performático da carta pessoal, ao se observar o grau: da publicidade ou privacidade da comunicação, o de familiaridade e afetividade (intimidade), o da implicação emocional, o de fixação ou liberdade temática e o de espontaneidade ou não da comunicação, revelando, assim, formas de escrever tradicionais do discurso. Dessa forma, como afirmado por Pessoa (2002), a carta pessoal é um dos gêneros mais significativos para a história das línguas por se poder observar as transformações da língua e da sociedade, a função do gênero em diferentes momentos históricos e, ainda, sua relevância na formação de outros gêneros.