O romance “AvóDezanove e o segredo do soviético”, de Ondjaki, narra a Angola dos anos 80 e os fatos políticos que afetaram sua história, sob o ponto de vista de uma criança. No livro, enquanto Luanda é apresentada com suas muitas fragilidades e dilaceramentos, as crianças brincam, parecendo alheias às nuanças políticas que ameaçam mudar suas vidas, mas, na verdade, estão aventureiramente empenhadas em resolver o problema que é pano de fundo da obra: A construção de um mausoléu para abrigar os restos mortais do presidente responsável pela independência, Agostinho Neto. O projeto de revitalização do local ameaça desalojar os moradores. As crianças, assistindo a tudo, começam a desconfiar dos "lagostas azuis", como chamam os soviéticos, enquanto rememoram histórias. A perspectiva da infância é temática recorrente nas obras de Ondjaki. O toque afetivo e o olhar infantil suavizam o retrato dramático dos fatos históricos sem deixar de expô-los com o grau de importância que merecem. História, autobiografia e ficção encontram-se numa narrativa que recorre a memórias e reconstrói momentos buscando a concepção de outros olhares, dos mais-velhos e dos mais jovens. É através desses olhares que visitamos Luanda e conhecemos Angola num apelo de retorno ao passado, e por meio do encontro entre gerações que toda riqueza da memória cultural angolana vai sendo revelada. Nosso objetivo é analisar como a narrativa com perspectiva infantil, sob uma tessitura de memória e nos tons da oralidade, reescreve a história, sobretudo as histórias das vidas angolanas, de suas gerações e de sua cultura.