Neste trabalho, busca-se problematizar a dicotomia oralidade - escrita, historicamente posta pela concepção grafocêntrica ocidental, que parte do pressuposto da oralidade como uma etapa primitiva da civilização. Para tanto, servem de referencial teórico estudos relacionados à história ocidental das práticas de leitura e escrita, na qual se busca elementos para uma reflexão sobre a prática da leitura oralizada que tornou possível a formação de sistemas culturais como a literatura de cordel no Brasil. Com base nisso, cumpre ressaltar a relação efetiva existente entre práticas da oralidade e práticas letradas como um fato cultural recorrente na história ocidental. Mais especificamente, destaca-se aqui a experiência de dois autores do cordel nordestino, Manoel D’ Almeida Filho e João Martins de Athayde, tendo-se em vista estabelecer um contraponto entre as práticas de leitura e escrita aí flagradas e as práticas oralizadas instituídas no Ancien Régime. Os estudos de Chartier sobre práticas de leitura e escrita nesse período histórico servem aqui de base à reflexão e ao questionamento da noção restritiva e, conseqüentemente, simplificadora do letramento como um fenômeno unívoco, necessariamente, associado à prática da instrução formal. Neste artigo, a literatura de cordel nordestina aparece como um exemplo contemporâneo inequívoco do trânsito permanente entre essas duas modalidades complementares da linguagem verbal na cultura brasileira.