"A flecha de Deus" (2011), romance do nigeriano Chinua Achebe, apresenta uma África que se constrói através de duas realidades: a dos colonizadores ingleses e dos habitantes das aldeias africanas. O romance conta a história de um sacerdote dividido entre a tradição de seu povo na aldeia de Umuaro, interior da Nigéria, e a influência do colonizador inglês. Na alternância entre essas duas visões notifica-se a complexidade da cultura tribal africana produzido pelo choque entre essa cultura e o sistema de valores ocidental. "Mzungu" (2006), do queniano Meja Mwangi, destaca a aldeia de Nanyuki, no Quênia, colônia britânica na costa Oriental da África, nos anos 50, quando os conflitos entre os britânicos e africanos já prenunciavam a guerra de independência do país. Os dois romances africanos intensificam os conflitos estabelecidos entre a história e a política de um continente explorado pelo processo de colonização e de guerras que desorganizaram estruturas sociais tradicionais. Ambas narrativas destacam os processos interculturais entre a Europa e a África, por um lado, representados pelos britânicos, que se veem como missionários civilizatórios, com o objetivo de ocidentalizar os povos considerados selvagens e atrasados, e por outro, a visão dos habitantes locais, que veem no colonizador o exercício do poder e os costumes incomuns sendo pouco a pouco impostos na sua comunidade. Essa relação se coaduna com as discussões de Foucault (2009) a partir do princípio de que existem duas esferas (ciência e cultura) em que se consolidam as práticas de relação de poder, cada uma delas têm seus próprios mecanismos de legitimação, atuam como “centros” de poder e elaboram seu discurso e sua legitimidade. Nesse contexto, Bhabha (2011) discute o processo civilizatório em suas variadas dimensões, quando tematiza sobre o contato entre culturas distintas, ou seja, as territorialidades transitórias, ligações comuns a vários sujeitos de culturas diferenciadas. O autor critica a identidade essencialista, na qual a tentativa de reclamar territórios perdidos cria uma cultura de “grupos de interesses”, criando uma filiação antagônica e ambivalente.