Estudar a população idosa, negra e feminina implica na necessidade de compreender suas vivências, partindo do conhecimento de que a experiência de envelhecer não é universal. Vários estudos se debruçam sobre a importância da estética na subjetivação feminina, e teóricos do envelhecimento já apontam a transformação do corpo como um dos elementos de luto do avançar da idade. Contudo, tais pesquisas não abrangem a interseccionalidade e o diálogo entre gênero e raça, implicando na generalização de um processo que pode diferir entre camadas populacionais. O presente trabalho utilizou a Teoria das Representações Sociais para investigar os significados que mulheres negras idosas atribuem à sua estética no processo de envelhecimento. Para isso, foram entrevistadas 31 mulheres negras idosas residentes do Distrito Federal, com média de idade de 68,8 anos, sendo a mais nova com 60 anos de idade, e a mais velha com 87 anos. Utilizou-se a Análise Microgenética do Discurso para análise. Os resultados apontam a estética como um elemento central das vivências dessas mulheres, as quais encaram sua aparência física como um privilégio da negritude no processo de envelhecimento. Evidenciou-se que as participantes não se sentiram bonitas ao longo de sua juventude – fato reforçado por episódios relatados de “bullying” nos ambientes, falta de relacionamentos amorosos e desgosto pelos próprios traços físicos. Todavia, ao atingir a velhice, há um movimento contrário: o reconhecimento de si mesmas enquanto mulheres bonitas, quando em comparação com as colegas brancas da mesma idade. Segundo as entrevistadas, a negritude as “protegeu” das consequências físicas do envelhecimento, indicando uma íntima relação entre estética, negritude e envelhecimento nos significados criados. Surge a hipótese de que há a remediação de uma ferida colonial no processo de envelhecimento: a ressignificação de vivências conjugadas de gênero, geração e raça, comumente entendidas como negativas em uma sociedade marcada por discriminações.