As primeiras viagens dos Irmãos Lumière para apresentar o cinematógrafo, consistiam tanto em demonstrar o novo artefato audiovisual como em registrar imagens da viagem. O trem em movimento, imagem icônica do surgimento do cinema, mimetizava os trânsitos comerciais e os deslocamentos coloniais. Com o advento de câmeras mais leves, garantindo um melhor manuseio no registro de imagens, os filmes de viagem tornar-se-iam, ao pensarmos no formato do filme-ensaio, um exercício particular de pensar o “si mesmo” em outro lugar: estes filmes seriam menos sobre conhecimentos históricos e geográficos do que práticas a partir das derivas entre um eu e o outro. Como espécie de “contralógica” aos desmandos de exploração, os filmes-ensaio de viagem recolhem elementos menores, incidentais ou auto-reflexivos, interrogando o imaginário turístico-colonial, ao questionar os desejos de apropriação espacial e de posse da imagem do outro. Em Remontagem (1983), a cineasta vietnamita Trinh T. Minh-ha, enquanto professora-visitante no Senegal, retoma o dispositivo do filme etnográfico para remexer o olhar estrangeiro “por dentro”: produzir torções e desvios frente a experiência de ver um filme documentário como uma simples etnografia visual de uma “comunidade africana”. O tom de voz, ao mesmo tempo sereno, hesitante e questionador, põe em análise a fluidez eloquente das descrições epistolares da antropologia em relatos de viagens filmados. Com as ferramentas e estratégias possíveis do audiovisual - a montagem, as relações de imagem e som, a narração em off – Remontagem articula um duplo desmantelamento: tanto das premissas dos filmes etnográficos como do lugar do espectador ocidentalizado.