A gestão da escola a partir da Constituição Federal de 1988, conforme demonstrado por diversos estudos caracteriza-se por proposições que convergiram para um novo modelo de gestão do ensino público calcado em formas mais flexíveis, participativas e descentralizadas de administração dos recursos e de responsabilidades. O direcionamento político e administrativo acompanhou a dinâmica de trabalho do mercado, realizando-se muitas vezes de forma fragmentada com programas direcionadores. Essa dinâmica tem gerado inquietações e questionamentos recorrentes aos que atuam na gestão da escola: em que consiste o trabalho do diretor na escola pública numa sociedade amplamente organizada em termos de objetivos sociais e educacionais, em que tudo é delineado em regulamentações, bem como, controlado por diversos mecanismos de avaliações? Sentiu-se a necessidade de recorrer aos processos de gestão da educação do início do século XX, realizados por educadores escolanovistas, preocupados com a organização do ensino e da gestão da escola em princípios democráticos. Como as manifestações da Escola Nova no Brasil vinculavam-se diretamente ao espírito do reformador, optou-se por estudar a obra de Manoel Bergström Lourenço Filho (1897-1970). Reconhecido por sua influência na organização das políticas da educação brasileira e na organização da escola, Lourenço Filho, além de ser professor, atuou como gestor em todos os níveis de ensino, do infantil ao ensino superior e nas diversas instâncias administrativas: municipal, estadual e nacional. O desafio proposto foi o de olhar para a trajetória do educador escolanovista buscando compreender as suas motivações e preocupações no processo de organização do trabalho da escola na nova perspectiva metodológica. A pesquisa pautou-se num amplo levantamento documental e bibliográfico da produção de Lourenço Filho (alguns elencados nas referências abaixo), com acesso a livros pedagógicos e metodológicos; muitos artigos de revistas e jornais da época; relatórios de trabalho; discursos apresentados em eventos ou momentos solenes; correspondências trocadas entre os educadores escolanovistas, entre outros. Para a coleta de documentos foi selecionado o percurso de Lourenço Filho: como docente na Escola Normal de Piracicaba (1921); como gestor da reforma da Instrução Pública do Ceará (1922-1923) e de São Paulo (1931); como diretor da Escola de Professores do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (1932-1937); e como organizador do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - Inep (1938-1946). Ao debruçar-se sobre os documentos foi possível compreender que a organização da educação para o intelectual educador norteava-se por três eixos vinculados entre si: i) a formação de professores; ii) a infraestrutura da escola; e iii) a reorganização do programa escolar. Este último, em todos os espaços de atuação de Lourenço Filho, na docência ou na gestão da educação, mostrou-se como elemento organizador do trabalho escolar. A primeira atividade de grande repercussão, elaborada e aplicada por Lourenço Filho, foi o "programa de ensino" para a cadeira de Prática Pedagógica da Escola Normal de Piracicaba da qual era professor assistente. Para efetivar o "programa de ensino", o qual visava superar as relações tradicionais entre a criança e o conhecimento, exigiu igualmente reorganização do espaço e do trabalho da escola. Essa ação modelar para o ensino escolanovista o inscreveu publicamente como intelectual e articulador dos ideais da escola renovada e revelou-se um dos eixos primordiais que norteariam seu trabalho, tanto no ensino como na administração escolar. Lourenço Filho também expressou por escrito a importância desta prática para a organização da escola: "não é necessário insistir sobre a importância do programa de ensino, como recurso de organização do trabalho escolar. Representa ele, ao mesmo tempo, fonte de inspiração, norma geral do trabalho docente e pedra de toque da atividade do mestre" (1944c, p. 393). Considerando a trajetória de trabalho de Lourenço Filho, o programa de ensino contém e direciona o conjunto de elementos necessários para a organização do trabalho do professor, mas principalmente da organização e funcionamento da instituição escolar. O aluno, o professor, o diretor, os funcionários da escola e igualmente a família e a comunidade deveriam aproximar-se pelo envolvimento na organização, realização e avaliação do programa de ensino. Deste modo, o programa de ensino representava bem mais do que um recurso de trabalho do professor, constituia-se a base norteadora para a organização do trabalho escolar. O estudo traz elementos para pensar que o trabalho do diretor em uma escola pública, em um contexto de descentralização e autonomia, consiste em garantir espaços coletivos de estudos e discussão, com a comunidade escolar, para construir consensos sobre qual o fundamento político, cultural e educacional desejam ver contemplado e realizado no programa de ensino da escola. A organização da infraestrutura, o planejamento da formação continuada do professor e o projeto de ensino atenderiam aos fundamentos filosóficos e pedagógicos desejados pelos membros envolvidos na escola. Ao gerir os espaços para planejar, executar e avaliar os objetivos, o ensino e o trabalho da escola de forma democrática, amplia-se a possibilidade de efetivar aprendizagens de qualidade e provocar a resistência necessária para uma educação emancipadora. Palavras-chave: política educacional, Lourenço Filho, organização da escola, diretor escolar. Referências LOURENÇO FILHO, M. B. Carta a Anísio Teixeira. (1962). Acervo Lourenço Filho, CPDOC/ FGV, LFc, 30/31.05.15, Doc. 0134. ___. Comunicação sobre o primeiro ano de trabalho da administração de Lourenço Filho, como Diretor Geral do Ensino do Estado de São Paulo. Arquivo classificação: LF pi Lourenço Filho, 1931.00.00, Rio de Janeiro: CPDOC/ FGV, 1931. (Data provável). 12p. ___. Discurso proferido na formatura dos alunos da Escola Normal de Fortaleza. Arquivo classificação: LF pi Lourenço Filho, 1923.00.00, Rio de Janeiro: CPDOC/ FGV, 1923a. (Data provável). 5p. ___. Introdução ao estudo da escola nova. 2ed. melhorada. São Paulo: Melhoramentos, 1930a. 233p. (Coleção Biblioteca de Educação, v. XI). ___. Prática pedagógica (programa de ensino) {1922}. In: LOURENÇO FILHO, R. (Org.). A formação de professores: da escola nova à escola de educação. Brasília - DF: Inep/MEC, 2001. p. 61-72 (Coleção Lourenço Filho, n. 4). ___. Prefácio. In: DEWEY, J. Vida e educação. Tradução e estudo preliminar Anísio Teixeira. 10.ed. São Paulo: Melhoramentos; Fundação Nacional de Material Escolar, 1978. p.7-11. ___. Plano de prática pedagógica. Revista de Educação, Piracicaba, SP, v.2, n.1, p. 50-59, maio de 1922. ___. A escola nova. Revista Escola Nova, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p. 3-7, out. 1930. CPDOC/ FGV, Arquivo classificação: R1050, 1930b. ___. A questão dos programas. Revista Escola Nova, v.1, ns. 2 e 3, p. 81-86, nov./dez. 1930c. ___. Os novos moldes do ensino: a diretoria da instrução pede aos srs. professores que elaborem os seus programas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 nov. 1930. (Circular enviada aos diretores de grupos escolares e escolas reunidas do Estado de São Paulo, em 13 nov. 1930). 1930e. ___. Pesquisa sobre programa mínimo. Boletim de Educação Pública. v.5, ns. 3 e 4, p. 275-297, jul./dez. 1936. ___. A educação, problema nacional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v.1, n.1, p. 7-28, jul./set. 1944a. ___. Modalidades de educação geral. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.1, n.2, p. 219-225, ago. 1944b. ___. Programa mínimo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Brasília, v.1, n.3, p. 393-402, set. 1944c.