O presente trabalho analisa o impasse que há na figura da narradora do romance Turismo para cegos, de Tércia Montenegro (2015), que retrata o momento da vida de uma jovem professora de artes plásticas, Laila, que está passando por um processo de perda da visão, pelo desenvolvimento de uma retinose, doença incurável. Conforme a cegueira vai se desenvolvendo, tarefas comuns vão tornando-se grandes desafios. A história é narrada pela atendente de um pet shop, onde o cão-guia é comprado, que acaba se tornando próxima de Pierre, companheiro de Laila. Mesmo sendo personagem-narradora, a atendendente do pet shop, apresenta ciência dos pensamentos e emoções dos outros personagens. A investigação considera a relação oscilante na condução do relato, ora onisciente, ora limitado e testemunhal, dado que se complexifica com o fato de que a personagem Laila, que se torna deficiente visual, manipula seu companheiro Pierre num contexto de separação. A análise se ampara na proposta de Delcastagné, para quem a narrativa contemporânea já não é o lugar onde a “a noção de verdade é indiscutível”, em contraponto com a classificação analítica de narradores proposta por Gancho, que apresenta como característica do narrador personagem a visão limitada na narrativa e a do narrador observador as qualidades da onisciência e onipresença. Partindo da hipótese de que a narradora de Turismo para cegos se encaixa na forma de ser dos narradores contemporâneos, portanto não merecedores de crédito do leitor por serem intencionalmente apresentados como inverossíveis, a análise empreendida permite concluir que a narradora em questão foge à classificação tradicional, configurando-se com típica da narrativa contemporânea, que coloca em questão os limites aristotélicos da verossimilhança.