As práticas sociais estão intrinsecamente ligadas às práticas de linguagem, que compreendem a produção, a distribuição e a interação de enunciados; a língua e o texto assumem o lugar da materialidade discursiva e as palavras revelam-se carregadas de sentidos ou conteúdos ideológicos. Por conseguinte, a linguagem acaba por servir como meio reprodutor de ideias preconceituosas que são refletidas e refratadas por meio das relações dialógicas. Nesse contexto de interação e constituição dialógica, ao longo da história da humanidade, à representação do gênero feminino foi designado o papel de procriação, cuidados com o lar e contribuição para a estabilidade financeira familiar, através da dupla jornada de trabalho. A mulher existe, desse modo, submissa ao gênero masculino que, por sua vez, exerce sua soberania de forma machista e misógina. Embasado num viés discursivo, este trabalho objetiva analisar a influência do tom valorativo para a construção da identidade feminina nas tiras em quadrinhos, que tem como temática a imagem da mulher negra e a resistência aos padrões sociais impostos à figura feminina presentes nos enunciados da personagem Dona Isaura, produzidas pelo cartunista e ilustrador Junião. Debruçamo-nos sobre os enunciados verbo-visuais – pensados nesta pesquisa enquanto enunciado concreto, ou seja, que encontram eco na esfera social – produzidos nos anos de 2016 e 2017, embasados nas contribuições da Análise Dialógica do Discurso, representada pelo Círculo de Bakhtin (2010, 2011, 2013), bem como nas contribuições sobre o enunciado concreto, identidade e tom valorativo (SOBRAL, 2009; FIORIN, 2016; BRAIT, 2010; DURAN, 2014). Acerca do resultado da análise, constatamos a evidência do tom valorativo como instrumento de fortalecimento da construção identitária da mulher negra, representada por Dona Isaura, e que visa à resistência ao preconceito histórico e socialmente cristalizado na sociedade.