Num dos primeiros manifestos ecológicos do século XX, Mensch und Erde, de 1913, Ludwig Klages descreve o início da era histórica da humanidade como uma batalha entre “heróis solares que se aplicam em instalar uma nova ordem [a ordem do progresso] e as forças 'ctônicas' do destino, que acabaram banidas num submundo sem luz”. Leitor de Bachofen e sua imagem da história como uma luta entre as forças telúricas-materiais-matriarcais e urânicas-espirituais-patriarcais, e de Nietzsche, com a sua conhecida tensão entre Apolo, deus solar e da medida, e Dioniso, Klages desdobra essa batalha como a da ascensão do espírito, força voluntarista que se contrapõe à vida, a qual define como um amálgama polarizado e indissociável entre corpo e alma. A ascensão do espírito, a emergência do homem teórico apto a corrigir, dos gabinetes presidenciais, a vida, remete-nos à viagem de Parmênides abandonando a morada da noite rumo à luz e ao mito platônico da caverna, em que o homem se livra das trevas do subsolo para ascender ao sol, a figura do Bem. Contra o caminho ascendente do homem que, ao ver a terra de cima, impõe-lhe fronteiras e nações e subjuga a terra à xenofobia genealógica, a antropofagia propõe uma descida, a volta ao homem que “não desaderiu à terra” (Raul Bopp) e que faz o “culto à estética instintiva da terra nova” (da Revista de Antropofagia). Assim, na batalha contra o sol espiritualizante, o olho diurno que tudo separa e tudo classifica – separando antes de tudo o homem da natureza -, o presente trabalho propõe, a partir da imagem de que “o horizonte reto/metodicamente/jantou/o sol” (“Julio Paternostro”), ler a Revista de Antropofagia como a vanguarda das forças ctônicas, matriarcais e antropofágicas, que, no lugar da política solar arrasa-terra, voltada para o progresso, absorve preguiçosamente o ambiente, com todas as árvores que nossas florestas têm - “Menos?/A do bem” (Oswald de Andrade).