Através de um estudo analítico do conto “El Matadero” (1874), do argentino Esteban Echeverría (1805 – 1851), percebemos que os atos ritualísticos dos sacrifícios, tramados pelo ditador de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas, são vistos como necessários e indispensáveis, se o objetivo é o de remissão de uma nação recém-emancipada, ou seja, se o intento é o de purgar, plenamente, os resquícios europeus, a sombra de modelos políticos, filosóficos, artísticos, alheios ao país. Diante disso, essa narrativa surge para denunciar a calamidade presente no país sul-americano, na tentativa das políticas dominantes federais de alcançarem tal identidade nacional. Paralelamente, o unitarismo, composto por argentinos que não se deixavam subjugar pelo ditador, tinha a política e artes francesas, filosofia alemã, além do cristianismo espanhol, como características que necessariamente a Argentina deveria ter para um progresso civilizatório. O clímax do conto se apresenta na tensão travada entre esses dois grupos, quando cada qual crê que o sacrifício do outro redimiria a nação do caos. Considerando esse pano de fundo, buscamos mediante esse trabalho entender como comungam os discursos políticos religiosos ao passo que desencadeiam essas cerimônias sacrificiais. Veremos que o matadouro deixa de ser um local de morte de animais, passando a ser um lugar destinado à morte de pessoas, de unitários, dos opositores ao Governo, no geral. Todavia, por outro lado, a oposição da mesma forma crê que a extirpação da barbárie, dos federais, é necessária. O corpus literário, “El matadero”, é rico, não por ser o pioneiro relato do romantismo argentino, mas por conter discursos de outra ordem que não a literária, a saber, a política, religiosa, filosófica, sociológica, antropológica, etc. Considerando a literatura um discurso constituinte, (MAINGUENEAU, 2016), percebemos através do conto “El matadero”, o discurso político se legitimando através de outro discurso constituinte, o religioso – provando o que teoriza, novamente, Maingueneau (2015, p. 147), em outro trabalho –, quer dizer, buscando por intermédio do discurso religioso a submissão de toda uma nação como se fosse uma sujeição ao plano divino. São ambos os discursos, independentemente, persuasivos, ameaçadores, punitivos, que exigem culto, ainda que seja através de um martírio, ou da oferenda sacrificial de um outro, mas pretendemos vê-los comungando e atuando juntos. O sacrifício é a dignificação de um discurso tido como soberano em seu nível máximo. Para compreensão dos movimentos dos sujeitos como dignificação de uma ideologia dominante, nos apoiaremos, entre outras obras, ao livro “Marxismo e Filosofia da linguagem”, de Bakhtin (2006); para enxergarmos o discurso como poder, consideraremos as palavras de de van Dijk (2015); no intuito de chegarmos a entender o sacrifício como culto a um discurso político e religioso assimilado como soberano, teremos o suporte de Althusser (1970) e René Girard (1990). Essas são as obras norteadoras, sem nos esquecermos ainda dos trabalhos hispânicos, acerca da literatura hispano-americana e o sacrifício: Bauzá (1999), Guarino (2007), Iglesia (2010), Monti (2013), Oviedo (2002), Piglia (1993), Lojo (1991), Sosnowski (2008).