PINTO, Maria Isaura Rodrigues. Um olhar sobre o cordel. Anais VII ENALIC... Campina Grande: Realize Editora, 2018. Disponível em: <https://editorarealize.com.br/index.php/artigo/visualizar/51676>. Acesso em: 22/11/2024 16:26
Um outro olhar sobre o cordel Coordenadora de área: Maria Isaura Rodrigues Pinto FFP/UERJ Supervisoras: Joana D'Arc de Matos Lima/SEEDUC Bolsistas: Anne Kathlen Rebello S da Silva FFP/UERJ Eduarda de Paula Cabral FFP/UERJ Emerson Ribeiro Guimarães FFP/UERJ Niellem Sousa Rodrigues FFP/UERJ Thayná Guilherme dos S. Antunes FFP/UERJ Thamara Lorrane dos Santos Nunes FFP/UERJ Vanessa Santos da Silva FFP/UERJ. O estudo da literatura de cordel constitui uma etapa significativa no processo de formação de leitores, já que requisita a aquisição de conhecimentos sobre uma forma peculiar de produção literária da cultura popular, possibilitando a apreensão de um outro modo de realização do fenômeno literário. A questão que Maria José F. Londres (1983, p.32) coloca no seu clássico livro Cordel: de encantamento às histórias de luta é: "Haverá outro documento de igual importância como expressão cultural - artística e ideológica - das camadas pobres excluídas da "cultura" oficial?" Na trilha dessa visão, é importante possibilitar a ampliação do quadro de leitura dos gêneros literários da cultura popular desde o ensino fundamental, tendo como destaque o cordel. Em conformidade com esse pensamento, vários pesquisadores defendem um trabalho em sala de aula que contemple o cordel a partir de práticas de leitura e de escrita diversificadas e prazerosas, em que sejam observados os constituintes estéticos e enfocados os valores artísticos e poéticos do gênero. Atuando nessa direção, a prática de leitura "Um outro olhar sobre o cordel", que pretendemos socializar, teve como objetivo incentivar a aproximação e apreciação do cordel através de estratégias adequadas à criação de ambientes de leitura instigantes. As atividades desenvolvidas relacionaram-se aos seguintes aspectos: características sócio- comunicativas do gênero (condições de produção, propósito comunicativo, finalidade); estrutura textual (estrofes, versos, rimas, métrica); estilo e elementos verbais e não-verbais que entram na composição dos folhetos de cordel. Para o alcance do objetivo apontado, efetuou-se, além da leitura de vários folhetos, uma pesquisa bibliográfica e uma análise dos pressupostos teóricos levantados. A fundamentação teórico-metodológica se ancorou em na concepção enunciativa-discursiva de Mikhail Bakhtin (2003), no que diz respeito à noção de gênero do discurso; em estudos de Kock e Elias (2006), ao considerarem a leitura como um processo de interação e de produção de sentidos e também em visões teóricas de outros autores que mantêm afinidade com o pensamento do autor e das autoras citados. Com base na articulação desses estudos, as atividades de leitura de cordel na sala de aula seguiram no formato de uma sequência didática com algumas das características da metodologia indicada por Dolz e Schneuwly (2004). A proposta realizada teve o intuito de levar os alunos a lerem, ouvirem, interpretarem, manusearem folhetos de cordel e também ousarem, experimentarem e arriscarem-se a externar, em versos rimados, suas visões de mundo e emoções a respeito de variados assuntos. Tendo por fundamento os pressupostos apontados e buscando alcançar o objetivo traçado, o trabalho se desenvolveu no âmbito da parceria do PIBID, subprojeto Língua Portuguesa, da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com a Escola Estadual Capitão Oswaldo Ornellas no município de São Gonçalo. Vale ressaltar que a equipe pibidiana realizou um trabalho integrado que contou com a participação efetiva de turmas de oitavo ano e também com o apoio da Direção e de professores da escola. De forma abreviada, apresentaremos a seguir as quatro etapas que constituíram o procedimento pedagógico dedicado ao estudo do cordel. Nas duas primeiras oficinas, o percurso do cordel e suas principais características foram revisitadas juntamente com os alunos que ativaram seus conhecimentos prévios. Para esse fim, dois áudios, de Bráulio Bessa, foram exibidos a par da leitura de folhetos de cordel, de diversos autores, retirados da biblioteca da escola. O procedimento suscitou uma ampla discussão sobre os seguintes elementos: conteúdo temático, a estrutura composicional, o esquema de rima e a forma de linguagem empregada nos folhetos de cordel selecionados por eles. Pudemos, então, tecer considerações sobre a complexidade do gênero e os desafios impostos a sua elaboração. Esse conjunto de atividades implicou a construção de um olhar sobre o cordel, despido de preconceitos e estigmas históricos. No decorrer das oficinas, os alunos cursistas do oitavo ano manusearam livros escritos em cordel, além de folhetos de cordel com temas variados, pertencentes ao acervo da biblioteca da escola e da Cordelteca da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, para que percebessem as múltiplas possibilidades de criação dessa literatura popular. Ao término da primeira etapa do trabalho, os alunos foram encorajados a produzir, com o auxílio uns dos outros, composições com versos rimados que dialogassem com os cordéis lidos. A produção de textos rimados beneficiou o aperfeiçoamento do processo de escrita e remeteu a momentos de leitura de poemas de outra natureza, levando as turmas a tecer comparações entre diferentes maneiras de fazer literatura. A segunda etapa teve início com as apresentações dos textos elaborados na atividade anterior. As produções mostraram o bom desempenho dos alunos para a produção de sentidos e capacidade de atender à tarefa solicitada que envolvia o emprego de rimas. Em seguida, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre o gênero, foi feita a articulação dos recursos empregados nos textos dos alunos com as características já estudadas do cordel. Em grupo, foram apresentadas as razões que os levaram à elaboração dos textos daquela maneira. Na terceira oficina, o conceito das figuras de linguagem, muito frequentes no cordel - o sarcasmo, a ironia e a hipérbole - , foi construído através de uma conversa com anotações paralelas no quadro e leitura dos seguintes folhetos: "País da inclusão", de Carol Miskalo, e "Nordestina exagerada", de Carlinhos Cordel, na turma 801, e, na 802, "Cordel Adolescente", de Sylvia Orthof. Na segunda parte dessa oficina, foi realizada uma dinâmica envolvendo a noção de variação linguística. Usaram-se alguns balões com palavras típicas de determinadas regiões do Brasil, extraídas dos folhetos. Após estourarem os balões, os alunos fizeram a leitura das palavras e exploram seus significados com o auxílio do celular. Os termos foram listados no quadro e os significados foram apresentados com a indicação das regiões em que são utilizados. Na quarta e última oficina, a métrica e os tipos de rima foram os destaques, além de se realizar uma comparação entre o cordel e o repente. Para tanto, foi apresentado o áudio do cordel cantado "A chegada de Lampião no inferno", de José Pacheco. O desafio dessa oficina, para a turma 801, foi a criação, agora individual, de um texto poético rimado. Na turma 802, houve um diferencial: foram entregues várias dobraduras no formato de folheto, para que os alunos ali escrevessem seus poemas rimados, utilizando ilustrações que lembrassem xilogravuras, num prazo de 15 dias. No final da sequência didática, o trabalho efetivado revelou-se significativo, pois foram observadas mudanças no comportamento e no interesse dos alunos. Além disso, suas produções poéticas se refinaram e o gosto pela leitura de cordel levou à dramatização voluntária de obras. Concluídas as quatro oficinas, constatou-se, também, que há vários alunos com muito talento, não só para criar textos originais e desenhar, mas também para produzir novos textos a partir de releituras de obras já existentes. Foi uma boa surpresa vê-los, por iniciativa própria, apresentarem suas composições para a comunidade escolar na culminância da atividade. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.